A IA não está apenas assumindo tarefas. Está substituindo o escritório

Um estudo recente da GoTo e da Workplace Intelligence confirma algo que muitos já perceberam: a inteligência artificial deixou de ser apenas uma ferramenta de trabalho. Ela está se tornando o próprio local de trabalho.
A pesquisa, realizada com 2,5 mil funcionários e líderes de TI em todo o mundo, mostra que 51% dos trabalhadores acreditam que a IA acabará tornando os escritórios físicos obsoletos. Durante anos, discutimos como a tecnologia mudaria o que fazemos no trabalho. Agora, ela está transformando também onde, como e por que trabalhamos – e até a quem recorremos em busca de apoio.
A inteligência artificial não está apenas assumindo tarefas. Está assumindo papéis ligados à estrutura, ao feedback e, em alguns casos, até à empatia.
O ESCRITÓRIO ESTÁ PERDENDO ESPAÇO — PARA A IA
O trabalho remoto e híbrido já não é mais apenas uma solução provisória da pandemia. Hoje, é a opção preferida de muitos, e a IA se tornou a base que sustenta esse modelo. De reuniões otimizadas por inteligência artificial e suporte técnico automatizado a assistentes generativos e ferramentas de automação, os trabalhadores afirmam que a tecnologia passou a oferecer aquilo que o escritório físico já não entrega.
De acordo com o estudo:
- 71% dos funcionários dizem que a IA aumenta sua flexibilidade e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
- 66% afirmam que ela permite trabalhar de qualquer lugar sem perda de produtividade.
- 65% relatam que a tecnologia os ajuda a atender melhor os clientes, mesmo à distância.
O dado mais revelador: 61% preferem que suas empresas invistam em inteligência artificial em vez de melhorias no espaço físico, como lounges, lanches ou reformas – mesmo entre os que ainda trabalham 100% presencialmente. O recado é claro: os trabalhadores não querem apenas modelos híbridos. Eles querem suporte que os acompanhe, e muitos acreditam que a IA já faz isso melhor do que o próprio escritório.
QUANDO A IA VIRA O CHEFE
Muita gente ainda enxerga a IA como uma forma de acelerar tarefas. Mas, cada vez mais, ela também tem transmitido uma sensação de segurança – principalmente para os mais jovens.
A IA não apenas fornece respostas, ela proporciona um espaço seguro
Estudantes da geração Z contam que usam o ChatGPT para redigir e-mails a professores e gestores porque não se sentem confiantes quanto ao tom. Outros dizem recorrer à ferramenta para explorar possibilidades de carreira e lidar com conflitos no trabalho – não por falta de interesse, mas porque nunca aprenderam como agir nessas situações e não querem correr riscos.
Certa vez, um estudante me disse que se refere ao ChatGPT de forma não-binária – não “ele” ou “ela” – porque a ferramenta parece mais neutra, menos julgadora. Essa fala me marcou.
A IA não apenas fornece respostas, ela proporciona um espaço seguro. Não interrompe. Não fala por cima. Não revira os olhos. E é exatamente isso que muitos – sobretudo os mais jovens – estão procurando. Por isso, essa mudança vai muito além da eficiência.
NÃO É SÓ UMA QUESTÃO DA GERAÇÃO Z
Embora a geração Z esteja na linha de frente da adaptação à inteligência artificial, ela não está sozinha. O estudo mostra que 90% dos baby boomers que trabalham remotamente ou em modelo híbrido e 84% dos millennials relatam ganhos de produtividade também fora do escritório. E mais de 70% dos profissionais da geração X afirmam o mesmo.
Costumamos tratar esse debate como se fosse exclusivo de pessoas jovens. Mas não é. É uma transformação que atravessa gerações, mudando a forma como entendemos presença, apoio e controle. Hoje, o que define um bom emprego não é o espaço físico, mas a flexibilidade. E a IA está se consolidando como a base que sustenta esse modelo.
AS LIDERANÇAS ESTÃO FORA DE SINTONIA
Mas nem todos enxergam esse cenário da mesma forma. O estudo revela um grande descompasso entre quem implementa a inteligência artificial e quem precisa usá-la: 91% dos líderes de TI acreditam que suas empresas utilizam a tecnologia de forma eficaz para apoiar equipes híbridas e remotas, mas apenas 53% dos funcionários concordam.
Essa diferença deveria preocupar qualquer organização que queira construir confiança em um ambiente cada vez mais mediado pela IA. Se a liderança considera que a questão está resolvida, mas os funcionários ainda percebem falhas, o problema não é apenas tecnológico. É cultural.
A GRANDE QUESTÃO
E o que tudo isso significa?
A inteligência artificial está assumindo o papel de ajudar as pessoas a se sentirem competentes, apoiadas e conectadas – funções que antes esperávamos de gestores, mentores e colegas. Isso não quer dizer que caminhamos para um futuro frio e robótico. Mas indica que precisamos repensar, de forma mais profunda, o que significa trabalhar quando o escritório é opcional e o “chefe” é um algoritmo.
Estamos preparados para que funcionários recorram à IA em vez da própria equipe? Aceitamos que jovens usem chatbots para aprender a se comunicar porque não confiam que o ambiente de trabalho vá ensiná-los? E estamos garantindo que essa independência digital não corroa, silenciosamente, as conexões humanas?
Se não estivermos atentos, a IA não vai apenas transformar a maneira como trabalhamos. Vai redefinir em quem confiamos, como nos desenvolvemos e o que entendemos como um trabalho de qualidade.