Será que o lixo vai salvar os negócios de uma famosa marca de tênis?
Como a americana Allbirds, famosa por calçados feitos com lã e polpa de árvore, pretende sair dos resultados ruins com a ajuda de restos de tênis velhos e roupas que iriam para aterros sanitários

A Allbirds se consolidou fabricando calçados com fibras naturais, como lã e polpa de árvore, que não eram comumente usadas na produção de tênis no passado. Hoje, a empresa americana está trilhando um novo caminho com uma coleção de calçados chamada Remix, feita de um material diferente: lixo.
Superficialmente, os dois modelos Remix se assemelham a outros tênis da Allbirds: o esportivo Runner e o inspirado no streetwear Cruiser. Mas seu exterior familiar esconde o fato de que, na verdade, são feitos inteiramente de resíduos. O cabedal é feito de roupas destinadas a aterros sanitários; o solado é feito de restos de sapatos velhos.
E a Allbirds espera que novos materiais possam tornar a marca empolgante novamente.
ANOS DE TROPEÇO
A Allbirds foi lançada em 2016 e abriu o capital em 2021. Mas, nos últimos três anos, sua receita despencou. Após atingir o pico de US$ 297,8 milhões em 2022, a empresa gerou apenas US$ 189,8 milhões em receita no ano passado. A companhia agora tenta se recuperar. Em março de 2024, a Allbirds promoveu Joe Vernachio do cargo de COO para CEO. Vernachio liderou anteriormente a recuperação da Mountain Hardwear, que passou de prejuízo para lucratividade, e acredita que pode fazer o mesmo com a Allbirds.
Parte do plano envolve reduzir a presença da marca no varejo para 21 lojas este ano. Em 2023, eram 43. Mas também envolve a introdução de produtos novos e atualizados, além de contar uma história sobre o que a marca representa. A coleção Remix sintetiza essa estratégia.
Adrian Nyman, que foi contratado como diretor de Design da marca no ano passado, argumenta que uma maneira de adicionar um toque de entusiasmo à coleção é explorar novos materiais.
"Acredito que devemos ampliar a gama de produtos da marca brincando com materiais diferentes", afirma o executivo. “Enquanto nos mantivermos fiéis ao nosso compromisso com a sustentabilidade, devemos ao consumidor o máximo possível de versões desta marca.”
Mas, dado o atual momento de turbulência econômica e política nos Estados Unidos, muitos consumidores não estão focados em ambientalismo neste momento. Portanto, será preciso esperar para ver como a coleção Remix repercutirá no mercado.
UM CALÇADO QUE CONTA UMA HISTÓRIA
Quando a Allbirds foi lançada, há uma década, o impacto das mudanças climáticas estava começando a ser percebido, à medida que os desastres naturais se tornavam mais frequentes. Os consumidores começaram a demonstrar interesse nas práticas ambientais das marcas, e é por isso que muitas das startups que surgiram naquela época — incluindo a Reformation e a Everlane — focaram em uma abordagem ecologicamente correta.
Mas os tempos mudaram. De acordo com a McKinsey, muitas marcas tiveram vendas mais fracas nos últimos dois anos devido à inflação; isso fez com que muitas delas reduzissem seus compromissos de sustentabilidade. Marcas de calçados de todo o setor estão revertendo seu compromisso com o combate às mudanças climáticas: a Nike demitiu dezenas de gerentes de sustentabilidade como parte de um esforço mais amplo de corte de custos, e a Crocs redefiniu sua meta de zero emissões líquidas de carbono de 2030 para 2040.
Nyman afirma que muitos consumidores parecem estar menos focados no planeta do que antes. Mas ele também afirma que seria um erro da Allbirds — que foi fundada como uma marca sustentável — recuar em seus compromissos com o meio ambiente. "Os consumidores podem estar distraídos agora, e um pouco em um devaneio, mas acho que o pêndulo vai balançar e as pessoas vão acordar", diz. "Quando isso acontecer, precisamos mostrar que mantivemos o curso e permanecemos fiéis à nossa missão original."
A equipe de design da Allbirds tem pensado em como expandir além de seu portfólio de materiais, especificamente para o mundo dos materiais reciclados, que agora estão mais sofisticados do que nunca.
Grandes marcas de calçados têm experimentado designs feitos de plástico reciclado, como a Nike, com tênis feitos com sobras de fábricas, e a Adidas, com calçados feitos de plástico recolhido dos oceanos. A startup Rothy's produz calçados com garrafas recicladas. Mas a Allbirds queria tentar algo diferente e criar calçados usando liocel reciclado (às vezes chamado pelo nome da marca, Tencel), derivado da celulose, o componente básico de materiais naturais como algodão e polpa de árvore.
PARCEIRO É ESPECIALISTA EM RECICLAGEM TÊXTIL
Nesse contexto, fazia sentido uma parceria com a Circ, agora líder em reciclagem têxtil. A Circ, fundada em 2011, desenvolveu a tecnologia para decompor poliéster, algodão ou uma mistura dos dois em seus materiais componentes. Em seguida, a empresa transforma esses materiais em novas fibras de poliéster e liocel, que vende para marcas.
Agora, a Circ está investindo em grandes fábricas para realizar o trabalho em escala. É dona de uma unidade de produção em Danville, no estado americano da Virgínia, e anunciou recentemente um investimento de US$ 500 milhões para construir uma nova fábrica na França, que será inaugurada em 2028. Mas, para garantir que essas unidades fabris continuem operando, a Circ precisa que as marcas comprem seus tecidos reciclados em grande escala.
A Circ firmou parcerias com grifes de alta costura como Christian Siriano e marcas de massa como Zara para criar peças de vestuário a partir de fibras recicladas. Para continuar expandindo sua base de clientes, a Circ está empenhada em demonstrar que seus materiais também podem ser usados na fabricação de calçados.
CALÇADOS TÊM CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS
De acordo com Peter Majeranowski, cofundador e CEO da Circ, as fibras usadas em calçados precisam ser mais resistentes do que as usadas em roupas. A Circ transformou o algodão reciclado em longos filamentos contínuos de liocel, imitando os filamentos sintéticos tradicionais, normalmente usados em cabedais de calçados. O filamento foi então tricotado em tecido usando uma técnica de malha plana para desenvolver um cabedal com a aparência e os padrões de desempenho da Allbirds.
"Calçados de desempenho têm os mais altos padrões técnicos", diz cofundador e CEO da Circ. "Era importante para nós mostrar nossa tecnologia para ilustrar que é possível criar um filamento bom o suficiente para ser usado em tênis", explica Majeranowski.
A Allbirds também fez parceria com a Blumaka, uma empresa que coleta resíduos de espuma descartados durante a produção de tênis e os transforma em solas de espuma. Algumas companhias transformam solas velhas em móveis; desde 1992, a Nike usa sobras de espuma para fazer Grind, um material usado em tudo, desde pistas de corrida até pisos de playgrounds.
Mas, neste caso, a espuma velha dos calçados é usada para fazer novas solas de espuma, criando um sistema mais circular. Para Nyman, essa é uma maneira não apenas de demonstrar o compromisso da marca com a sustentabilidade, mas também de criar um toque de design interessante que, segundo ele, desperta novo interesse pela marca.
“A sustentabilidade não precisa ser um jogo de soma zero, em que você precisa abrir mão do conforto, da funcionalidade ou da moda”, afirma. “Queremos criar um produto que entusiasme o cliente esteticamente", analisa o diretor de design da Allbirds.