5 perguntas para Guilherme Martins, CMO da Diageo

Guilherme Martins é vice-presidente de Marketing e Inovação da Diageo Brasil. Antes disso, passou por empresas como Natura, General Mills e Whirlpool e atua como copresidente da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA). O ponto alto da carreira de Martins, no entanto, é outro: ele é pai do Bernardo, do Joaquim e da Stella.
Guilherme foi o primeiro executivo da Diageo na região a tirar a licença parental de seis meses, em 2020. Desde então, ele tem usado sua posição para defender que equidade de gênero e bem-estar não são benefícios, mas estratégias fundamentais para construir ambientes de trabalho mais justos, diversos e inovadores.
Hoje, à frente do marketing e da inovação da Diageo Brasil, Guilherme une a força das marcas a um discurso de impacto cultural, um trabalho que, para ele, só faz sentido quando caminha lado a lado com práticas que transformam a vida das pessoas dentro e fora da empresa.
Nesta entrevista para a Fast Company Brasil, Guilherme reflete sobre como a paternidade ativa transformou sua visão de liderança, os desafios de discutir novas masculinidades em um cenário de retrocessos culturais e o papel das marcas e dos líderes na construção de ambientes mais humanos e diversos.
FC Brasil - Você já falou sobre como a licença transformou seu estilo de liderança. Hoje, anos depois dessa experiência, como você vê a evolução desse aprendizado? O que permanece como um pilar na sua forma de liderar e o que mudou com o tempo?
Guilherme Martins - A licença mudou profundamente minha forma de liderar e, mais do que isso, mudou a minha forma de ser. O impacto não ficou restrito àquele período inicial de vínculo com a família; ele reverbera até hoje. Estar presente naquele momento me fez enxergar, de forma muito concreta, como a carreira das mulheres é atravessada por esse tipo de experiência e como a parceria dentro de casa precisa se fortalecer depois.
No meu caso, ver a Renata hoje priorizando e acelerando a carreira dela, e eu podendo apoiá-la nesse processo, é uma consequência direta desse aprendizado. Essa vivência muda o olhar, muda as decisões e reforça uma relação de divisão real: eu posso ser pai e CMO, ela pode ser mãe e CEO, e não precisamos justificar nossas escolhas.
Esse mesmo entendimento eu levo para a liderança. A experiência em casa me ensinou que times mais diversos, onde cada pessoa tem liberdade de ser quem é e trilhar o seu caminho de forma autêntica, são os que prosperam de verdade.
FC Brasil - No momento em que vemos crescer movimentos que romantizam papéis tradicionais, como as "tradwives", ou reforçam ideias de masculinidade “alfa”, por que é urgente falar sobre novas masculinidades no ambiente corporativo?
Guilherme Martins- Quando surgem movimentos que reforçam papéis tradicionais ou idealizam um estereótipo de homem de sucesso, aquele que é CEO, triatleta e deixa a paternidade em último lugar, isso simboliza um retrocesso.
Para mim, é justamente nesse contexto que ganha força a necessidade de mostrar outros exemplos, de contar histórias reais que inspirem. Sempre que falamos sobre equidade e multiplicidade de papéis, ajudamos a transformar mentalidades dentro e fora do ambiente corporativo.
Eu acredito que compartilhar essas experiências têm um efeito multiplicador. É uma forma de “contaminar positivamente” outras empresas, líderes e profissionais para que também tragam o tema à tona. Nunca foi tão importante quanto agora: estamos no início de uma transformação e não podemos permitir que ela ande para trás.
FC Brasil - Você defende que falar de equidade é trazer os homens para a conversa sobre o cuidado familiar. Quais são os maiores desafios para transformar essa consciência em prática, tanto para os líderes quanto para as equipes?
Guilherme Martins - O que eu mais defendo sobre equidade e cuidado familiar é a divisão de responsabilidades, não ajuda. Não se trata de o homem “ajudar” no cuidado com a família, mas de compartilhar a responsabilidade de forma igual. É uma transformação em que ambos os papéis têm o mesmo impacto e a mesma importância.
Por isso, para mim, a questão vai além de ampliar a licença paternidade de cinco dias para dois ou três meses. Se esse período ainda for menor do que o da mulher, seguimos reforçando a ideia de que existem papéis diferentes, um para a mulher, outro para o homem. E não é disso que se trata: é sobre igualdade real.
Dentro das equipes e da liderança, esse é o ponto central: não basta aproximar ou reduzir o gap, é preciso igualar. E, para igualar dentro do trabalho, é necessário primeiro igualar fora dele.
FC Brasil - Empresas que se destacam hoje não são só as que entregam resultados, mas as que conseguem criar culturas de confiança e bem-estar. Que aprendizados da sua experiência pessoal você leva para a forma como a Diageo constrói essa cultura?
Guilherme Martins - A cultura que queremos ver no mundo precisa ser construída também dentro das organizações. As empresas não podem se limitar ao discurso: é preciso tomar decisões concretas que tragam essa cultura para dentro.
Nos últimos anos, vimos um boom de políticas e compromissos assumidos por diversas companhias. Mas também observamos retrocessos. Na Diageo, essa é uma jornada sem volta. Nosso compromisso vai muito além da licença paternidade: temos uma série de políticas afirmativas que avançam nesse sentido e não vamos retroceder.
Para mim, construir uma cultura organizacional capaz de refletir a sociedade que queremos lá fora é fundamental. Isso deixa de ser apenas uma estratégia de marca e passa a ser um posicionamento real de como acreditamos que o mundo deve ser moldado.
FC Brasil - Quando você pensa nos próximos anos, em um mercado cada vez mais desafiador e polarizado, qual é o legado que você gostaria de deixar como líder, para a empresa, para o setor e para os profissionais que estão começando agora?
Guilherme Martins - Ter a oportunidade de liderar marcas vanguardistas, que muitas vezes são maiores do que as próprias categorias em que atuam, reforça a responsabilidade que temos como anunciantes. O legado que quero deixar é justamente o de entender esse papel: usar a voz das marcas para moldar culturas e contribuir para uma sociedade que avance.
Em tempos turbulentos, com tantos estímulos que empurram para retrocessos, acredito que o verdadeiro legado é manter firmeza nos compromissos, naquilo em que acreditamos. É caminhar sempre para frente.
Esse impacto pode acontecer em diferentes níveis: dentro da cultura organizacional, inspirando profissionais que passam por processos de transformação pessoal, e também por meio das marcas, que têm a força de amplificar valores que realmente importam para mudar a sociedade. Fazer isso com consistência, paixão e impacto é, para mim, o maior legado que posso deixar.