Startups verdes: como empreender com impacto ambiental e ainda lucrar

Segmento aposta em soluções para resíduos, saúde e energia limpa, mas ainda enfrentam desafios como capital e burocracia

Startups verdes: como empreender com impacto ambiental e ainda lucrar
Just_Super via Getty Images

Márcia Rodrigues 6 minutos de leitura

Com o avanço da discussão global sobre mudanças climáticas e às vésperas da COP 30, o Brasil começa a se destacar como um dos principais polos de inovação verde no mundo. Startups voltadas à bioeconomia, energia limpa, economia circular, gestão de resíduos e crédito de carbono têm ganhado espaço no ecossistema de inovação e começam a se consolidar como parte essencial da nova economia. Mas como funciona uma startup verde na prática? Onde estão as oportunidades? E quais os principais desafios para quem deseja empreender com impacto ambiental?

STARTUPS VERDES AVANÇAM

Segundo Amanda Magalhães, gerente de Projetos e Tecnologia do instituto Climate Ventures, o Brasil tem um potencial gigantesco por conta de sua biodiversidade, matriz energética limpa, abundância hídrica e capacidade industrial. "Estamos observando um crescimento das startups verdes, principalmente com a proximidade da COP e com um governo mais engajado com a agenda ambiental", afirma Amanda.


O QUE DEFINE UMA STARTUP VERDE

Embora não exista uma definição consolidada, a Climate Ventures adota uma taxonomia própria, chamada Onda Verde, para identificar startups verdes com soluções escaláveis.

Amanda sinaliza oito setores da nova economia como potenciais para a fomentação de startups verdes. São eles:

- Florestas e uso do solo;

- Agropecuária e sistemas alimentares;

- Energia e biocombustíveis;

- Logística e mobilidade;

- Indústria;

- Água e saneamento;

- Gestão de resíduos;

- Finanças.

“Essas startups geram externalidades positivas tanto para o meio ambiente quanto para a sociedade", explica Amanda. Até o ano passado, o instituto computou 1 mil startups verdes em operação. No novo mapeamento, que será divulgado neste ano, a previsão é de que o número salte para 3 mil soluções cadastradas, inclusive em regiões remotas, para ampliar o embasamento estatístico do setor.

COMO NASCEM E CRESCEM AS STARTUPS VERDES

Não há um caminho único para a criação de uma startup verde. De acordo com Amanda Magalhães, as ideias podem surgir da observação de um problema ambiental específico, de pesquisas universitárias ou mesmo de experiências prévias dos empreendedores. “Startups fundadas por empreendedores que já tiveram um negócio antes costumam captar recursos com mais facilidade. Mas o essencial é ter uma tese bem definida, conhecer profundamente o problema e saber demonstrar escalabilidade e potencial de impacto", diz.

Uma das startups que exemplifica esse caminho é a HemoDoctor, criada por Raphael Saraiva. A ideia surgiu da experiência pessoal dele. Sua avó demorou nove meses para receber o diagnóstico correto de uma doença hematológica. Com o uso de inteligência artificial, a startup consegue analisar hemogramas e gerar alertas para doenças como leucemia e linfoma, reduzindo o tempo de diagnóstico de meses para semanas ou até dias.

“Rodamos uma pesquisa com 50 médicos de diversas especialidades para saber quais eram as dificuldades de interpretação de hemogramas. Cada um, dentro da sua especialidade, sabe identificar uma anemia, por exemplo. Porém, nem todos sabem a causa, que pode ser uma doença mais grave.”

Saraiva e seus sócios – o hematologista Lucyo Diniz e o farmacêutico, Carlos Rolemberg – já contam com um projeto piloto na Unimed de Petrolina (PE).

“Nossa proposta é evitar que o paciente fique flutuando no sistema de saúde sem um diagnóstico. Com a IA, o laudo é processado, uma hipótese é sugerida e os exames complementares já são indicados. Isso encurta muito o caminho até o tratamento", explica Saraiva.

A primeira versão do sistema foi lançada oficialmente em abril. “Ela lê o laudo do exame, processa no algoritmo próprio, sugere a hipótese e os próximos exames que devem ser feitos.”

O sistema ainda não está disponível no mercado. O foco dos empresários são grandes redes hospitalares, tanto públicas quanto privadas.

LOGÍSTICA VERDE: A SOLUÇÃO DA BIOTHANKS

Outro exemplo de startup verde é a Biothanks, dirigida por Marcel Urpia. Com foco em logística reversa e reaproveitamento de resíduos, a empresa criou um sistema para coleta de óleo de cozinha usado.

“O grande gargalo da reciclagem é a logística. Usamos tecnologia para conectar geradores de resíduos a coletores autônomos, reduzindo custos e aumentando a eficiência", explica Urpia.

A operação é simples: o gerador envia um pedido por WhatsApp com foto e localização. O coletor recebe a demanda via aplicativo com rota otimizada e, após a coleta, confirma a entrega com foto.

“Com geolocalização, roteirização inteligente e agendamento automatizado, a coleta deixa de ser uma rota às cegas e passa a ser uma operação otimizada. O resultado? Menos combustível, menos tempo perdido e muito mais eficiência na prática, uma logística compartilhada e enxuta, como o iFood da reciclagem”, diz Urpia.

A plataforma já conseguiu desviar milhares de litros de óleo de esgotos de aterros, evitando a contaminação de milhões de litros de água. O modelo de negócio da Biothanks é baseado em taxas por litro coletado e na rastreabilidade dos dados.

Qualquer pessoa com interesse e responsabilidade ambiental pode se candidatar para ingressar no sistema. Porém, há uma triagem inicial: o coletor passa por um processo de verificação, orientação operacional e pode ser convidado a participar de uma capacitação básica sobre segurança, transporte de resíduos e uso do app. “Queremos incluir e profissionalizar, garantindo qualidade e responsabilidade na operação.”

COMO FUNCIONA A REMUNERAÇÃO?

A Biothanks adota um modelo de split automático de pagamento. O valor pago pelo litro coletado é dividido entre o coletor, a plataforma e, em alguns casos, o próprio gerador. Isso mesmo: o gerador pode receber pela entrega do resíduo, dependendo do tipo e da demanda.

Nos pilotos realizados, a startup conseguiu desviar milhares de litros de óleo do esgoto e dos aterros sanitários, segundo Urpia. Cada litro de óleo coletado evita até 25 mil litros de água contaminada, de acordo com ele. “Além disso, a otimização das rotas já nos permitiu reduzir as emissões de CO₂ da operação em mais de 30% em relação à coleta tradicional. Estamos desenvolvendo um painel de impacto ambiental para medir e exibir os resultados em tempo real.”

O projeto está saindo da fase de piloto e entrando em operação estruturada e expansão. Já existe uma base em Salvador (BA) e plano de escalar para outras cidades da Bahia e do Nordeste nos próximos meses. “Nosso roadmap prevê atuação em três estados até o final do ano 2026, com foco em áreas urbanas com alto volume de resíduos e baixa cobertura de coleta.”

ONDE ESTÃO OS DESAFIOS?

Laura Fostinone, também gerente de projetos na Climate Ventures, avalia que o mercado precisa amadurecer na valoração do impacto e na mensuração dos resultados ambientais e sociais.

A burocracia para contratação com o setor público também é um entrave. Saraiva, da HemoDoctor, explica que está em conversa com prefeituras e governos, mas a morosidade dos processos trava a expansão. "Mesmo com urgência, o sistema é disfuncional", afirma.

PROPÓSITO COM LUCRO: É POSSÍVEL?

Conciliar impacto positivo e viabilidade econômica é uma das principais discussões no setor. Para Amanda, é sim possível gerar lucro com negócios de impacto. "Estamos em um mundo capitalista e o mercado está se expandindo. O que precisa é maturidade na avaliação do impacto e mais instrumentos financeiros adaptados para esse tipo de solução", reforça Laura.

“O Brasil tem tudo para ser protagonista da inovação verde global. O que falta é fortalecer pontes entre empreendedores, capital e políticas públicas que incentivem o crescimento do setor. E para quem quer começar, a dica é conhecer profundamente o problema que se quer resolver, testar a solução com um piloto e buscar conexões com quem já está no mercado. Porque inovar com impacto não é apenas uma tendência, é uma urgência”, finaliza Amanda.


SOBRE A AUTORA

Márcia Rodrigues é jornalista especializada em economia e empreendedorismo. Vegetariana e apaixonada pela defesa de causas sociais, am... saiba mais