KES Summit 2025: lições para navegar improvisos
Com o tema "Navegando Improvisos", o evento reuniu líderes, executivos e pensadores de diferentes áreas para uma imersão em inovação, comportamento e tecnologia

“Todo o improviso é uma oportunidade de mudança”. Essa foi uma das mensagens da palestra de Lucas Liedke e André Alves, fundadores da Float, durante o KES Summit 2025. Eles foram alguns dos speakers que se apresentaram durante o evento que aconteceu na última semana, em Trancoso, na Bahia.
Com o tema navegando improvisos, o Summit reuniu 250 líderes, executivos e pensadores em quatro dias de imersão com palestras e debates sobre inovação, IA, cultura e comportamento.
O teórico de mídia Douglas Rushkoff abriu o evento fazendo uma convocação à “estranheza” como antídoto à padronização da era digital. Rushkoff chamou de” bad trip” a visão utilitária das pessoas a partir da tecnologia. E lembrou de um tempo em que a aposta era de uma internet que poderia expandir a nossa criatividade e gerar mais conexão entre as pessoas.
Apesar da complexidade do atual contexto, em que há enorme concentração de poder nas mãos das big techs, Douglas vê um bom momento para o Brasil. Se antes os brasileiros queriam ser parecidos com os EUA, agora, já não querem mais. Também apontou que as restrições são ferramentas para a criatividade.

Para ele, uma forma efetiva de lutar contra a padronização do digital é a colaboração. Rushkoff contou como pedir uma furadeira emprestada ao vizinho pode criar toda uma comunidade verdadeiramente conectada.
Para ele, momentos de turbulência são oportunidades para uma inversão na lógica de poder. “Tornem as coisas estranhas”, sugeriu. “É justamente no que é instável que a vida floresce”.
A jornalista Rosana Hermann subiu ao palco para lembrar que a tecnologia não substitui o essencial: a conexão entre as pessoas e a necessidade de olhar para o horizonte. Ela destacou como nos acostumamos a viver na lógica das telas, esses retângulos pelos quais estamos experimentando o mundo – e como isso afeta nosso corpo e nosso jeito de estar no mundo.
IMPROVISO COMO OPORTUNIDADE
Os fundadores da Float, André Alves e Lucas Liedke, ponderaram que o culto ao autocontrole pode ser nocivo, enquanto o improviso é sempre uma oportunidade de mudança.
Eles falaram sobre o momento atual, ou sobre o “presente extremo” – um tempo marcado por uma tentativa perigosa de autocontrole e por uma espécie de produtividade performática. “A visão de progresso não pode ser apenas uma busca pela produtividade”, alertaram.
Para Lucas, muitas pessoas e empresas entram em um ritmo de disciplina e de contenções que gera uma espécie de robotização do comportamento. “Isso nos leva a alguns ideais saturados demais. E aí temos exaustão, burnout e insatisfação por não chegar a um lugar de alta produtividade – e não necessariamente de progresso.”

Segundo Alves, o autocontrole funciona como uma forma de mecanismo defensivo contra a grande complexidade do mundo. Como não conseguimos controlar o que está acontecendo, há uma tentativa frustrada de controlar a si mesmo.
“Em último nível, a gente vai calcificando a capacidade de transformação do nosso pensamento, das nossas atitudes, do nosso comportamento. E talvez não exista maior resistência ao improviso do que apostar que dá para controlar tudo".
O professor da Universidade de Harvard Oliver Stuenkel trouxe a perspectiva das relações internacionais para o debate. Em tempos de alta complexidade e turbulência global, defendeu que líderes precisam compreender profundamente os problemas e agir de forma responsável, aceitando a incerteza como parte indissociável do processo decisório.
Para ele, a história mostra como o Brasil costuma navegar bem em tempos turbulentos. “Se tem um bom lugar para estar em meio aos caos e a momentos de intensificação de conflitos, esse lugar é o Brasil”, afirmou.
COMUNIDADE E FUTUROS ESPECULATIVOS
O pesquisador Caio Vassão, criador do conceito de metadesign, apresentou as características de empresas mais propensas a se manter relevantes: maximalistas, comunitárias, experimentais, femininas e criadoras. Em sua visão, organizações que cultivam ecossistemas têm mais chances de sobreviver.
“Em tempos de grandes transformações, as organizações devem reconhecer que há uma antena importante chamada comunidade”, afirmou. “A melhor maneira de perceber não tendências, mas vontades e desejos, é ouvir a comunidade para, aí sim, construir intencionalmente um futuro".
Anab Jain, fundadora do estúdio londrino Superflux, reforçou que o futuro não deve ser apenas previsto, mas “mostrado, pensado e sentido”.

Ao trabalhar com futuros especulativos, ela defendeu que conseguimos experimentar o amanhã para então escolher os caminhos do presente. Citando a escritora Ursula Le Guin, lembrou que “a ferramenta mais poderosa é a imaginação: imaginar alternativas à realidade é sempre o primeiro passo para torná-las possíveis”.
Para Anab, a esperança reside na sua capacidade de compreender verdadeiramente o problema, imaginar diferentes formas de o acompanhar e agir com base no que aprendemos.
"A ferramenta mais poderosa é a imaginação – a capacidade e a vontade de imaginar alternativas à realidade tal como a conhecemos, que é sempre o primeiro passo para tornar possíveis realidades diferentes e melhores."
Ursula Le Guin
Entre os exemplos que trouxe sobre futuros especulativos, ela citou um projeto no qual criou o cheiro do ar poluído dentro de uma garrafa para chamar a atenção para a importância do investimento em energia renovável. Em outro projeto da Superflux, a IA cria poemas como se falasse em nome de rios.
Anab falou ainda da capacidade de se maravilhar coletivamente e de um futuro que contemple uma mentalidade mais que humana. Ou seja, que considera florestas, rios e outros seres vivos.
A ferramenta mais poderosa é a imaginação - a capacidade e a vontade de imaginar alternativas à realidade tal como a conhecemos, que é sempre o primeiro passo para tornar possíveis realidades diferentes e melhores. - Ursula Le Guin
O IMPROVISO AO VIVO
Os jornalistas da Rede Globo Sandra Annenberg e Gustavo Villani compartilharam alguns bastidores de se fazer TV ao vivo e falaram de improviso com propriedade. Entre as histórias, Sandra lembrou do episódio em que anunciou, por engano, a morte do atleta João do Pulo. Um lembrete de que, em contextos de pressão e velocidade, errar faz parte da equação.
Na sequência, as sócias da Talk, Carla Mayumi e Tina Brand, apresentaram a segunda onda da pesquisa sobre o uso da inteligência artificial no Brasil. Um dado chamou a atenção: caiu de 73% para 60% o índice de preocupação dos brasileiros com o controle da tecnologia por grandes corporações.

“Quando olhamos a normalização do uso da IA, impressiona o aumento do nível de confiança das pessoas em relação a essas tecnologias. Deveria ser o contrário. Deveríamos estar mais preocupados com os riscos no uso que as big techs estão fazendo dos nossos dados, por exemplo", disse Carla.
Outro aspecto que chama atenção na pesquisa é o crescimento da IA como assistente emocional. Subiu de 13% para quase 50% o número de pessoas que usam inteligência artificial como conselheira. Para Tina, “a preocupação é o quanto nosso 'músculo social' vai ficar atrofiado".
O bloco terminou em tom emocional com Ana Bertol, COO e especialista em ciência e dados da Odd Studio, que relatou como os dados vêm guiando seu tratamento contra um câncer.
LER O PRESENTE, NÃO SÓ O FUTURO
O encontro foi encerrado pelo estrategista cultural Matt Klein, fundador da premiada publicação independente ZINE. Ele fez uma crítica à dependência de relatórios de tendências como ferramenta para pensar o futuro. “Antes de tentar prever o amanhã, é preciso saber ler o presente”, disse.
Para ele, acolher a complexidade e a ambiguidade é a única forma de construir estratégias consistentes. “Um dos grandes problemas que nos impede de entender melhor o presente é o excesso de confiança e a dificuldade de assumir que podemos estar errados”.