A desconstrução do design

A dinâmica de trabalho no universo da inteligência artificial está zerando os modelos vigentes da estrutura criativa no design

Crédito: Michael Dziedzic/ Unsplash

Mauro Cavalletti 3 minutos de leitura

“Esse post não sai da minha cabeça”. O comentário veio de Roger Wong, um líder de design veterano no Vale do Silício, com passagens pela Apple e pela Pixar, além de startups de tecnologia e agências digitais inovadoras.

Wong fazia referência à newsletter de Elena Verla, executiva da plataforma Lovable, na qual ela conta que, depois de apenas um mês na companhia, testemunhou uma dinâmica totalmente diferente do que conhecia antes.

“Aqui, quando alguém quer fazer alguma coisa (qualquer coisa) – de ferramentas internas a páginas de marketing a escrever código de produção – eles vão para a IA e… fazem. Só isso”.

Ela conta que, apenas sete meses depois de seu lançamento, a companhia tem US$ 80 milhões de receita anual recorrente vindo da venda de assinaturas de seu produto, desenvolvido com uma equipe de apenas 37 pessoas.

“Esse é o novo normal, se você é nativo de IA. E não me refiro apenas ao produto como nativo de IA. Refiro-me às pessoas como nativas. Um funcionário nativo de IA não é alguém que ‘usa IA’. É alguém que usa IA como padrão”.

Organizações com pouca ou nenhuma hierarquia não são exatamente novidades. A Valve, legendária empresa de games criadora do clássico Half Life, tem uma organização horizontal há muitos anos. Os funcionários escolhem em qual projeto e tarefa querem trabalhar.

A falta de hierarquia é parte da fórmula que levou a companhia a ser avaliada em mais de US$ 8 bilhões. Um detalhe: é uma companhia privada, cujos donos são os fundadores e os funcionários. Ela não capta investimentos no mercado. É um destino muito desejado por designers com iniciativa e autonomia, e um pesadelo para aqueles que precisam de orientação direta. 

O caso da Lovable é ainda mais extremo e a reação de Wong é justificável já que a dinâmica de trabalho no universo da inteligência artificial está zerando os modelos vigentes da estrutura criativa no design. Aparentemente, estamos vivendo uma revisão de valores, de baixo para cima.

O PAPEL DA IA NO DESIGN

Não faz muitos dias, um texto de Suff Syed, executivo da área de IA da Microsoft, circulou insistentemente nas minhas redes. Com uma chamada bastante provocadora – “Por que estou desistindo do meu título de designer, e o que isso tem a ver com o futuro do design” –, o texto é um quase-manifesto por uma nova ordem na cultura criativa dos modelos de IA.

Ao mesmo tempo, faz críticas duras ao estado da disciplina. Da mentalidade à liderança, passando pelo ensino do design, nada passa batido. Fala, principalmente, sobre novas habilidades fundamentais para o design na era da IA orientada por agentes, que a disciplina ainda não compreende.

Crédito: Freepik

Syed, que trocou seu título de "head de design de produto" para "membro da equipe técnica", emenda: “Enquanto isso, o pipeline de designers cresceu exponencialmente, graças a bootcamps e fábricas de credenciais que produzem talentos de UX sem qualquer conhecimento prévio de sistemas. O resultado? Empurradores de pixel defendendo o 'deleite' em salas onde as pessoas resolvem problemas de custo de inferência, latência e complexidade arquitetônica”.

Aqui do meu lado, enquanto oriento profissionais criativos e estudantes adotar IA no design em seus fluxo de trabalho, penso que os novos ambientes criativos, com pouca hierarquia e muita atitude, vão pedir ainda mais estrutura mental, repertório e entendimento ético dos profissionais.

Nossa compreensão de sistemas é relevante, assim como a compreensão do comportamento humano, mas pedem revisão. As combinações de uma e outra parte em modelos de interação, de um lado, e processos criativos, de outro, viraram algo bem diferente. Vejo o movimento claramente refletido em meus próprios projetos. 

Talvez tenha chegado a hora de desconstruir o design.


SOBRE O AUTOR

Mauro Cavalletti, designer de interações e experiências, escreve sobre a interseção da criatividade, design e novas tecnologias. É fun... saiba mais