Processo antitruste contra o Google pode mudar o cenário da busca na internet

Decisão deve sair ainda este mês. Veja os possíveis desdobramentos

Crédito: Christian Wiediger/ Unsplash

Chris Stokel-Walker 4 minutos de leitura

O processo antitruste movido pelo Departamento de Justiça dos EUA (DoJ, na sigla em inglês) contra o Google se arrasta há anos. Em abril, o juiz Amit Mehta decidiu que a empresa monopolizou o mercado de publicidade digital na web aberta – decisão reafirmada por ele no início deste mês. Agora, o caso entra em sua fase mais decisiva: a definição das medidas corretivas, que pode ser anunciada nos próximos dias ou semanas.

As propostas das duas partes são bem diferentes umas das outras. O DoJ sugeriu uma série de alternativas, enquanto o Google apresentou uma solução mais restrita: encerrar os contratos de exclusividade com navegadores, mas manter os acordos de divisão de receita com seus desenvolvedores.

A decisão de Mehta pode redefinir não só o futuro do Google, mas também a forma como milhões de pessoas acessam a internet, já que o Chrome responde por cerca de dois terços do mercado global de navegadores.

“O risco de uma decisão desfavorável tem pesado nas ações da Alphabet e pode afetar a percepção do mercado em relação ao valor de longo prazo da companhia”, afirma Justin Post, analista do Bank of America Securities. “Na nossa avaliação, os efeitos não se limitariam aos EUA e poderiam servir de exemplo para reguladores de outros países.”

Até o anúncio, todas as possibilidades seguem abertas – embora algumas sejam muito mais prováveis que outras.

DESINVESTIMENTO TOTAL

Uma das opções cogitadas pelo DoJ é obrigar o Google a se desfazer do Chrome e proibi-lo de lançar outro navegador por cinco anos. Só essa possibilidade já atraiu interessados, como a Perplexity, que teria feito uma oferta de US$ 34,5 bilhões – considerada por analistas mais uma jogada de marketing do que uma proposta real.

Especialistas, porém, veem essa saída como improvável. “Não acredito que obrigar o Google a se desfazer do Chrome traria benefícios reais aos usuários. Por isso, acho pouco provável que o juiz siga por esse caminho”, avalia Anupam Chander, professor de direito e tecnologia da Universidade de Georgetown, nos EUA.

tela mostra o navegador Chrome, do Google
tela mostra o navegador Chrome, do Google

Chander alerta ainda que tal mudança ampliaria o número de empresas com acesso a grandes volumes de dados de usuários – hoje concentrados na Apple e no Google, vistos como relativamente confiáveis. “Colocar mais empresas pode ser arriscado”, diz.

Os números também reforçam a cautela: o julgamento revelou que cerca de metade das buscas nos EUA começa em pontos de entrada vinculados a contratos considerados anticompetitivos pelo DoJ. Segundo o Bank of America, caso fosse obrigado a vender o Chrome, o Google poderia perder entre 5% e 70% da participação de mercado em buscas via navegador.

LIMITAR ACORDOS E CRIAR TELAS DE ESCOLHA

A alternativa mais provável seria adotar algo semelhante às “telas de escolha” já utilizadas na Europa, em que o usuário define o buscador-padrão ao configurar o dispositivo.

“Tenho um Samsung que já vem com Google Search e Chrome como padrão, e não com um buscador próprio do Android”, comenta Chander. “No futuro, poderemos ver opções como DeepSeek, ChatGPT, da OpenAI, ou até Perplexity disputando esse espaço.”

Uma possibilidade seria obrigar o Google a abrir seu índice de buscas e dados de anúncios para concorrentes.

Hoje, o Google garante sua posição de buscador-padrão em diversos aparelhos por meio de contratos bilionários de exclusividade. Esses acordos são altamente lucrativos: documentos do julgamento revelaram que 61,8% das buscas no iOS passam pelo Safari com o Google como padrão, e no Android esse número chega a 80%.

Estimativas internas da empresa indicam que perder o posto de buscador-padrão na Apple poderia significar uma perda de US$ 28,2 bilhões a US$ 32,7 bilhões em receita, além de até 80% do tráfego de buscas no iOS.

COMPARTILHAMENTO DE DADOS DE BUSCA

Outra possibilidade seria obrigar o Google a abrir seu índice de buscas e dados de anúncios para concorrentes. Mas a ideia enfrenta alguns grandes obstáculos.

“A União Europeia e as autoridades de proteção de dados realmente aceitariam que o Google compartilhasse essas informações com terceiros?”, questiona Chander. “E quem teria direito a acessá-las?” Por esse motivo, a proposta é vista como pouco viável.

Independentemente da decisão, o caso ainda deve se estender por bastante tempo. “O processo pode se arrastar até 2027, já que o Google pretende recorrer”, aponta Post. Mas recorrer pode não ser o bastante.

“O tribunal de primeira instância, comandado pelo juiz Mehta, é quem tem maior domínio sobre os detalhes do caso”, lembra Chander. “A corte de apelação não terá o mesmo nível de conhecimento aprofundado nem a familiaridade que o juiz que conduziu o processo possui.”


SOBRE O AUTOR

Chris Stokel-Walker é um jornalista britânico com trabalhos publicados regularmente em veículos, como Wired, The Economist e Insider saiba mais