O fetiche e a mesmice
O verdadeiro diferencial está em saber quando seguir a onda – e, sobretudo, quando ter coragem de nadar contra ela

Nosso mercado depende do novo. A cada ano, surgem termos, conceitos e ferramentas que passam a dominar conversas, painéis e reuniões. Mais do que tendências, muitas dessas ideias se transformam em verdadeiros fetiches: símbolos de inovação que as empresas sentem que precisam adotar, mesmo sem uma avaliação crítica do seu real impacto.
Para entender esse fenômeno, analisei os assuntos mais publicados em veículos de referência do setor – "Meio & Mensagem", "Propmark" e "Exame/ Marketing" – nos últimos dois anos.
A partir de uma varredura e organização por clusters, organizei os temas mais falados: marketing de influência, inteligência artificial generativa, social commerce e live shopping, retail media e métricas de mensuração avançada.
Esses temas, ao serem repetidos de forma insistente em matérias, premiações e cases, ganham uma aura de obrigatoriedade. O marketing de influência, por exemplo, tornou-se sinônimo de autenticidade e engajamento, mesmo com críticas sobre mensuração e saturação. A inteligência artificial, ainda em fase de testes, já é vista como solução inevitável para a criatividade.
O social commerce, inspirado em modelos asiáticos, é tratado como futuro do varejo digital, mesmo sem comprovação. O retail media foi rapidamente elevado a “novo petróleo” da publicidade, antes mesmo de amadurecer como prática consolidada.
Esse comportamento pode ser explicado pela teoria do limiar, desenvolvida por Mark Granovetter. A ideia é simples: cada pessoa (ou executivo) tem um “limiar” de resistência antes de adotar uma novidade. Alguns entram imediatamente e outros só embarcam quando veem um número maior de participantes.
A inteligência artificial, ainda em fase de testes, já é vista como solução inevitável para a criatividade.
As motivações por trás desse movimento são identificadas: a conformidade social (faço parte desse grupo), a crença no consenso (“se todos fazem, deve estar certo”) e o relaxamento da crítica em grupos grandes (quando a pressão coletiva diminui a capacidade de contestar).
Juntas, essas forças explicam por que tantas práticas ganham o status de dogma tão rapidamente, e o simples ato de questionar te coloca como um herege.
Mas há um risco nessa dinâmica: ao adotarmos padrões sem questionamento, tendemos a nos tornar cada vez mais comuns, reproduzindo a mesmice dos temas, adotando fórmulas e perdendo a originalidade que tanto diferenciam as marcas uma das outras. O verdadeiro diferencial está em saber quando seguir a onda – e, sobretudo, quando ter coragem de nadar contra ela.
