A guerra dos assistentes de IA: quem vai controlar sua atenção?

Da Alexa+ ao Apple Intelligence, big techs competem para transformar agentes virtuais no filtro da sua vida digital

Créditos: Steve Johnson/ Mariia Shalabaieva/ Unsplash/ Apple/ Amazon/ Google Gemini

Enrique Dans 6 minutos de leitura

Há 10 anos, discutíamos sobre qual aplicativo conquistaria sua atenção. Hoje, a disputa é por quem vai intermediar seu contato, quem vai ser a interface entre você e o resto da web.

Os assistentes de IA estão se tornando a porta de entrada para tudo o que fazemos no ambiente digital: busca, compras, mídia, trabalho. Quem vencer essa interface decidirá o que você vê primeiro, qual opção considera “padrão”, boa parte da narrativa em torno disso e o quanto da sua vida será direcionado pelo modelo de negócios deles.

Nesse contexto, três estratégias estão em campo. A Apple, fiel à sua política de priorizar a privacidade do usuário, está incorporando uma camada voltada à proteção de dados, a Apple Intelligence, diretamente nos dispositivos que as pessoas já usam, com modelos que rodam no próprio aparelho e uma nova nuvem privada para solicitações que exijam maior capacidade de processamento.

A Amazon está lançando a Alexa+, um assistente virtual pago, mais “agente”, que executa tarefas de ponta a ponta. E finalmente, a Meta está propondo um mundo de “superinteligência pessoal”, IAs sob medida, altamente contextuais, ajustadas a você, não apenas à plataforma.

Cada uma das três visões é coerente, cada uma tem seus próprios incentivos e cada uma aponta para um futuro onde haverá dois caminhos: um pequeno grupo terá acesso a IAs personalizadas e de alto desempenho, enquanto a maioria vai ter que se contentar com um assistente padrão para todos os usuários, tipo “tamanho único” .

O movimento da Apple é o mais previsível e, de certa forma, o mais radical: manter o máximo possível no dispositivo e, quando for necessário ir à nuvem, fazê-lo dentro de um ambiente privativo e verificável. Essa é a promessa por trás do Private Cloud Compute, que a empresa descreve como a extensão da segurança do nível de dispositivo até ao do data center.

Para desenvolvedores, a Apple também abriu acesso ao modelo-base no dispositivo, permitindo que aplicativos usem essa camada sem ter que compartilhar seus dados com terceiros. É o manual da Apple aplicado à inteligência artificial: integrar, reduzir riscos e transformar confiança em fidelidade.

A Amazon segue um caminho diferente: transformar os assistentes de IA em agentes que executam trabalhos de múltiplas etapas, cobrar por isso e alavancar o pacote Prime para acelerar a adoção do seu modelo. O Alexa+ é uma reestruturação completa, não apenas uma atualização visual: linguagem mais natural, ações de terceiros e uma assinatura de US$ 19,99 por mês (inclusa no Prime).

O acesso antecipado ao sistema nos EUA no primeiro trimestre do ano e a implementação continua em dispositivos Echo com tela. A lógica, em termos econômicos, é clara: cobrar pelo assistente muda seu status de produto deficitário para um com plano de negócios próprio, facilitando justificar o pesado custo computacional das tarefas mais complexas.

O Google, por sua vez, entrou mais tarde, mas já mostrou o que está em jogo: o Gemini for Home vai começar a substituir o Google Assistant em caixas de som e telas inteligentes da Nest, com versões gratuitas e pagas, além de uma experiência mais conversacional e consciente de contexto. Não é um recurso novo: é uma estratégia de substituição.

Já na Meta, Mark Zuckerberg começou a usar o termo “superinteligência pessoal”, enquadrando o objetivo menos como um assistente que vive em um app e mais como uma IA que habita o seu contexto, abrangendo dispositivos, serviços e conhecimento.

A arquitetura é fácil de imaginar: modelos de código aberto (open weights, a partir do Llama 3.1), ajustados com seu acervo pessoal, rodando localmente quando possível e em servidores alugados quando necessário. O investimento sinaliza a seriedade – e também o desespero da Meta.

USUÁRIOS STANDARD E PREMIUM

O que tudo isso significa para o consumidor? Na prática, duas classes de usuários de assistentes de IA estão se formando:

  • Classe A: uma minoria com tempo, dinheiro ou apoio institucional para construir seus próprios assistentes de IA superpoderosos: base de conhecimento pessoal, memória contínua, ferramentas personalizadas, privacidade controlada e a capacidade de incluir dados específicos (artigos, contratos, código, arquivos) em cada resposta.
  • Classe B: a maioria, que usará o assistente padrão de uma das grandes plataformas – porque ele já vem no celular, porque está incluso no Prime ou porque substituiu o dispositivo que a pessoa já tinha e com o qual está acostumada.

Esses assistentes da IA serão competentes, até encantadores. Mas também serão moldados pelos incentivos da plataforma: um gigante do varejo vai otimizar seu modelo para o comércio; uma empresa que lucra com venda de publicidade, para descobertas dentro do seu ecossistema; um fabricante de hardware, para fidelização à marca.

Isso não é algum tipo de conspiração, é a própria razão de existir de um assistente. Com modelos financiados por anúncios da Meta ou do Google, o incentivo central continua sendo a publicidade.

Mesmo que ambas insistam que “não vendem seus dados”, esses assistentes de IA continuarão transformando sua vida em sinais leiloados. A maioria dos usuários aceitará a troca porque a conveniência disfarça o verdadeiro custo da perda de privacidade.

COMO O MERCADO VAI SE ORGANIZANDO

Repare nas novas políticas de preços em relação à capacidade de processamento: a Apple integra inteligência nos dispositivos que você já comprou; a Amazon vende uma versão mais poderosa como serviço; e o Google prepara versões gratuitas e pagas do Gemini for Home.

Se o modelo de negócios é baseado em anúncios, espere que o assistente otimize para momentos monetizáveis e que os dados coletados sobre você continuem alimentando um mercado que os formuladores de políticas públicas ainda tentam regular.

Hoje, a disputa é por quem vai intermediar seu contato, quem vai ser a interface entre você e o resto da web.

Como de costume, em modelos financiados por anúncios, sua atenção (e o monitoramento do seu comportamento) é o produto à venda. Eles não vão vender seus dados em um CSV (uma lista simples), mas venderão acesso ao seu perfil, repetidamente, em velocidade de leilão.

Essa divisão importa tanto para os negócios quanto para a relação das pessoas com o mundo. Se o seu assistente de IA conhece seus arquivos, seu histórico, seus gostos e suas limitações, ele deixa de ser uma mera ferramenta e passa a ser um motor de contexto. Ele vai pré-filtrar o mundo para você.

Isso pode ser libertador: menos fricção, menos abas abertas, mais tempo. Também pode ser perigosamente restritivo: os padrões de um fornecedor tornam-se os seus padrões, não porque você os escolheu, mas porque eles vieram embutidos no dispositivo que ouve quando você fala. Quanto mais decisões terceirizamos aos assistentes de IA, mais precisamos prestar atenção em que está por trás dele.

COMO ESCOLHER ENTRE OS ASSISTENTES DE IA

Minha aposta: teremos os dois mundos ao mesmo tempo. Uma pequena, mas crescente, minoria vai montar sua própria “superinteligência pessoal”, enquanto a maioria vai depender cegamente dos assistentes que vêm nos dispositivos ou pacotes de assinatura.

Se você quiser seguir o primeiro caminho, comece assumindo o controle do seu contexto: mantenha suas anotações, documentos e histórico em formatos portáteis; experimente modelos locais; evite concentrar fluxos críticos na interface de um único fornecedor.

Se preferir o segundo (ou se este texto já foi difícil de acompanhar), ao menos seja intencional sobre quais incentivos da plataforma você está adotando – porque esse assistente vai otimizar alguma coisa. Garanta que ele estará otimizando para você.


SOBRE O AUTOR

Enrique Dans leciona inovação na IE Business School desde 1990, hackeando a educação como consultor sênior de transformação digital na... saiba mais