Da luta ao like: marcas esportivas transformam recordes em conteúdo de marketing

Novo documentário da Adidas é, ao mesmo tempo, estratégia de marketing e laboratório de inovação

o corredor sul-africano Sibusiso Kubheka
Crédito: Adidas

Jeff Beer 4 minutos de leitura

Na madrugada de 26 de agosto, o corredor sul-africano Sibusiso Kubheka fez história ao se tornar a primeira pessoa a completar uma prova de 100 quilômetros em menos de seis horas. Ele superou o recorde mundial anterior com seis minutos e 15 segundos de vantagem.

A prova aconteceu no Nardò Ring, pista de testes de alta performance em Lecce, na Itália, e reuniu cinco dos maiores fundistas do planeta. Com o tempo de 5h59min20s, Kubheka, de 27 anos, não apenas superou os limites do que se acreditava ser possível em termos de resistência e velocidade, como também estrelou uma poderosa peça de marketing para a Adidas.

A prova faz parte do projeto “Chasing 100”, no qual a marca trabalhou no ajuste fino de roupas e calçados com o objetivo de quebrar o recorde dos 100 km.

Se a ideia soa familiar, é porque você talvez já tenha visto a Nike fazer algo parecido: o documentário “Breaking2, de 2017, sobre a tentativa de correr uma maratona abaixo de duas horas, e a série mais recente no Prime Video, “Breaking4”, que acompanha a corredora queniana Faith Kipyegon em sua busca para ser a primeira mulher a correr a 1,6 quilômetros em menos de quatro minutos.

O “Breaking2”, transmitido ao vivo, atraiu mais de 20 milhões de espectadores e gerou cerca de dois trilhões de impressões nas redes sociais antes mesmo de ir ao ar no canal National Geographic.

O “Chasing 100” é o novo capítulo dessa disputa entre marcas para transformar feitos atléticos em conteúdo de impacto, unindo atletas, ciência do esporte, tecnologia e design. Mais importante ainda: serve como vitrine global para que as empresas provem sua capacidade de inovação.

No universo da corrida, em que cada segundo conta, a Adidas lançou seu desafio para reforçar sua imagem – tanto entre corredores de elite quanto entre os amadores.

CHASING 100: CRIANDO PARA UM MUNDO DE RECORDES

Além de Kubheka, participaram da prova Aleksandr Sorokin, da Lituânia (ex-recordista dos 100 km), Jo Fukuda, do Japão, Charlie Lawrence, dos EUA (recordista dos 80 km), e Ketema Negasa, da Etiópia (ex-recordista dos 50 km).

Cada atleta teve seu tênis Adizero Evo Prime X adaptado ao seu estilo de corrida. Eles também utilizaram o sistema Ultracharge, em que os calçados ficam em um contêiner pressurizado por dias antes da prova para deixar a espuma da entressola mais responsiva.

o corredor sul-africano Sibusiso Kubheka
Crédito: Adidas

No vestuário, o destaque foi o sistema Climacool, que ajuda a resfriar a temperatura corporal antes da prova sob o calor e a umidade do sul da Itália. Os corredores ainda usaram faixas térmicas no pescoço, que eram trocadas e resfriadas ao longo da corrida.

Segundo Margherita Raccuglia, diretora de performance da Adidas, os principais focos do design foram resistência, velocidade e controle de calor, com bastante personalização para cada atleta.

“Existe um processo de adaptação ao produto que não pode ser ignorado”, explica Raccuglia. “Claro que o desempenho físico importa, mas o aspecto cognitivo também faz toda a diferença.”

PROCESSO X RESULTADO

Projetos como esse têm múltiplos significados. Para os atletas, é uma conquista histórica. Para os designers e engenheiros, uma oportunidade valiosa de pesquisa e desenvolvimento. Para as marcas, é acima de tudo uma forma de criar mitos.

Perseguir metas aparentemente impossíveis inspira qualquer atleta ou fã de esportes. E documentar essa jornada de forma criativa faz parte do próprio objetivo de quebrar recordes.

Crédito: Adidas

A dúvida agora é como a Adidas vai contar essa história – e se conseguirá se diferenciar dos projetos da Nike. O roteiro, em parte, já é conhecido: apresentar os personagens (corredores, designers, engenheiros, equipe de apoio), construir a expectativa ao longo da preparação e criar uma forte conexão emocional até o grande dia da prova.

Esse tipo de conteúdo de grande impacto, guiado por eventos, é onde gigantes como Adidas e Nike levam vantagem sobre os concorrentes – como Brooks, Asics ou On –, pois ambas têm suas raízes no atletismo: Phil Knight e Bill Bowerman, na Universidade do Oregon. Adolf Dassler e Jesse Owens, nos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936.

Crédito: Adidas

A escala que atingiram como marcas globais – hoje presentes em diversos esportes – alimenta a capacidade de usar essa força para contar histórias específicas sobre corrida.

Com a campanha “Chasing 100”, a Adidas reuniu personagens: dos corredores e suas trajetórias a nomes internos da empresa, como Raccuglia. Agora, precisa realmente transmitir o drama e o processo de design voltado para os obsessivos por equipamentos de forma envolvente.

Se conseguir, podemos estar diante do início de uma curiosa corrida armamentista do conteúdo sobre corrida – que deve atravessar a fronteira entre a narrativa esportiva e a inovação de marca de maneiras inéditas.


SOBRE O AUTOR

Jeff Beer cobre publicidade, marketing e criatividade para a Fast Company. saiba mais