A nova era do trabalho industrial: a IA chega ao chão da fábrica

Gigantes da indústria investem para que seus funcionários aprendam a treinar e colaborar com máquinas inteligentes nas linhas de produção

Créditos: Stewart MacLean e Ricardo Gomez Angel/ Unsplash/ Freepik

Jessica Klein 3 minutos de leitura

Nas fábricas da Danone, onde são feitos iogurtes como Corpus e Activia, sensores inteligentes captam vibrações e mudanças de temperatura para prever falhas em equipamentos. Sistemas de visão com IA identificam defeitos na produção antes mesmo que alguém perceba. A tecnologia também ajuda a otimizar processos complexos, como a secagem de fórmulas infantis em pó.

A ideia, no entanto, não é substituir os trabalhadores. “As máquinas serão nossas colegas”, resume Vikram Agarwal, diretor de operações da Danone.

Isso já é uma realidade. Nos centros de distribuição da Amazon, por exemplo, há praticamente um robô para cada funcionário humano. O problema é que, apesar da necessidade de treiná-los para trabalhar lado a lado com máquinas inteligentes, tirar esse trabalhadores do chão de fábrica para cursos presenciais aumenta os custos, já que outros precisam assumir seus postos.

Um estudo de 2023 do Boston Consulting Group nos dá a dimensão do problema: em termos globais, apenas 14% dos trabalhadores de linha de frente já receberam algum treinamento em inteligência artificial, contra 44% dos executivos.

Por isso, empresas estão criando programas internos de capacitação. A Academia da Indústria 5.0, da Danone, pretende ensinar mais de 20 mil funcionários – do Brasil à China – habilidades práticas, como usar IA para testar produtos, mapear processos de produção e detectar defeitos.

A Bosch está seguindo um caminho parecido, combinando aprendizado no próprio ambiente de trabalho (para evitar interrupções) com aulas presenciais ministradas por fornecedores e até programas de jovem aprendiz.

“O trabalho dos operadores vai ser, cada vez mais, treinar modelos de IA para que executem suas antigas funções”, afirma Agarwal. Assim, eles poderão assumir tarefas mais importantes, voltadas à resolução de problemas. 

TREINAMENTO E APOIO NA HORA CERTA

Esses programas mostram como a automação pode reduzir falhas e aumentar a eficiência com a ajuda dos próprios trabalhadores.

Na Bosch, mais de 65 mil colaboradores já participaram da Academia de IA. Lá, eles têm aulas com especialistas internos baseadas em projetos reais das fábricas onde atuam e aplicam imediatamente o que aprenderam.

“Quando a IA chega às fábricas, geralmente ela é incorporada às ferramentas que os trabalhadores já usam, funcionando como uma extensão natural do trabalho”, explica Eddy Azad, CEO da Parsec, empresa que apoia indústrias na implementação da IA.

Robô Cardinal, da Amazon, separando encomendas de forma autônoma
Robô no centro de distribuição da Amazon (Crédito: Divulgação/ Amazon)

Outro ponto importante: os treinamentos não exigem conhecimento técnico prévio. Na Bosch, a prioridade é “construir uma base sólida para que todos entendam como a inteligência artificial funciona”, afirma Caroline Bird, líder digital da Bosch Mobility nas Américas.

Em uma das fábricas da empresa, por exemplo, foi oferecido um curso prático sobre como criar prompts para aumentar a eficiência da produção.

Segundo Azad, os melhores resultados vêm de treinamentos curtos, com aplicação direta no trabalho. “Não se trata de longos seminários, mas de apoio no momento em que o funcionário precisa.”

IA: DE OPCIONAL A ESSENCIAL

No fim, o objetivo é manter os trabalhadores relevantes. Um estudo publicado na “Harvard Business Review”, em 2023, mostrou que uma grande montadora chegou a alertar seus engenheiros de que suas habilidades estavam ficando obsoletas e que precisariam aprender a usar tecnologias inteligentes para manter seus empregos.

Segundo Azad, quando executivos procuram a Parsec, as perguntas são sempre pragmáticas: como a IA pode reduzir paradas, melhorar a qualidade e aumentar a eficiência? Poucos falam em substituir pessoas – a preocupação está em preparar suas equipes.

O trabalho dos operadores vai ser treinar modelos de IA para que executem suas antigas funções.

Com a Academia Indústria 5.0 em operação, a Danone já planeja um projeto piloto em 10 fábricas para testar “modelos disruptivos” de colaboração entre humanos e máquinas, de acordo com Agarwal. A Bosch também está apostando alto: a empresa pretende investir mais de US$ 2,7 bilhões em inteligência artificial até 2027.

Apesar da adoção em massa da IA e da automação, treinamentos formais como o da Danone ainda são raros, mas Azad acredita que logo se tornarão comuns. “Nos próximos anos, serão parte fundamental do desenvolvimento da força de trabalho industrial”, aposta.

Em breve, reforça ele, essas habilidades não serão opcionais. “Quando uma máquina parar, não vai bastar uma chave inglesa para colocá-la de volta em operação.”


SOBRE A AUTORA

Jessica Klein é jornalista. saiba mais