Flexibilidade ou armadilha? O dilema dos pais no esquema de trabalho híbrido

A falsa promessa de “ter tudo” na era pós-pandemia

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Ericka Sóuter 3 minutos de leitura

Quando as empresas fecharam na pandemia e milhões de pais e mães passaram a trabalhar de casa, a sensação inicial foi de alívio. Fim do trânsito. Mais tempo com os filhos. A chance rara de conciliar carreira e família com menos estresse. Responder e-mails enquanto cozinha, entrar no Zoom de moletom e ainda estar presente na hora de dormir das crianças.

Cinco anos depois desse grande experimento remoto e híbrido, a realidade se mostrou mais complicada. A flexibilidade abriu novas possibilidades, mas também desfez alguns limites a ponto de muitos pais não saberem se conquistaram liberdade ou se caíram em uma nova forma de prisão.

No começo, esse modelo parecia libertador. Os pais podiam buscar os filhos na escola sem culpa. Consultas médicas? Sem problema, bastava retornar ao computador mais tarde. Era uma forma de aliviar a pressão de ter que ser impecável no trabalho e em casa. Mas o que parecia uma solução se tornou um fardo: o trabalho nunca acaba. 

O notebook na mesa da cozinha é, ao mesmo tempo, um aliado e uma prisão. Mensagens no Slack chegam durante o treino de natação e a cultura do “sempre online” nos impede de impor qualquer limite.

Paradoxalmente, a tão falada flexibilidade tornou a vida mais difícil para muitos pais. Se dá para trabalhar de qualquer lugar, a sensação é de estar trabalhando o tempo todo. A carga mental – consultas médicas, agenda das crianças, refeições – agora faz parte da rotina profissional. O “ter tudo” se transformou em “fazer tudo ao mesmo tempo”.

TRABALHO REMOTO: FLEXIBILIDADE OU PRISÃO?

Na teoria, o modelo híbrido oferece o melhor dos dois mundos: foco em casa e colaboração no escritório. Mas, na prática, é como viver nos dois ao mesmo tempo. Os pais alternam entre planilhas e trabalhos escolares, relatórios e autorizações de excursão. 

A vida se transformou em um exercício constante de multitarefa. O resultado? Mais cansaço e mais culpa. Você trabalha enquanto tenta cuidar dos filhos. E quando está com eles, sua cabeça continua presa ao e-mail.

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A verdade é que “ter tudo” sempre foi uma ilusão. A ideia de que é possível ter uma carreira brilhante e uma vida familiar perfeita – e que você deve alcançar as duas coisas – já nasce como uma armadilha. 

O trabalho remoto e híbrido não derrubou esse mito, apenas o vestiu de outra forma. Saímos do discurso de “equilíbrio” para a fantasia da “integração”. Mas integrar não é sinônimo de viver em harmonia. Hoje, muitos pais relatam dias mais longos, menos paciência e a sensação constante de fracassar nos dois papéis.

O QUE REALMENTE IMPORTA

A questão não é se os pais podem “ter tudo”. É redefinir o que “tudo” quer dizer. Significa se dedicar igualmente aos relatórios trimestrais e à rotina em casa? Ou aceitar que, em certos momentos, o trabalho precisa vir primeiro – e em outros, a família? 

Precisamos dar a nós mesmos a liberdade de escolher o que importa em cada momento da vida. As empresas também precisam ajudar, definindo regras claras de disponibilidade, respeitando os momentos de descanso e oferecendo uma flexibilidade que alivie, em vez de sufocar.

A verdade é que ninguém tem tudo, nem o CEO, nem o pai ou mãe em tempo integral. Muito menos quem vive o regime híbrido. O que podemos ter é uma vida que reflita o que realmente importa para nós. Pode ser imperfeita, pode ser caótica – mas pelo menos será real.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Ericka Sóuter é uma voz confiável no jornalismo parental, conhecida por sua cobertura perspicaz de tópicos no Good Morning America. Co... saiba mais