O legado de Giorgio Armani: roupa é feita para durar
Giorgio Armani desafiou a pressa da moda e o fast fashion. Aos 91 anos, deixou um legado de elegância sustentável e crítica ao hiperconsumo

“Luxo não pode e não deve ser rápido.” A frase, repetida por Giorgio Armani em diferentes entrevistas nos últimos anos, resume seu embate com a lógica que transformou a moda em indústria de descartáveis.
Em plena pandemia, ele foi o primeiro a cancelar desfiles, converteu fábricas para produzir roupas médicas e escreveu cartas abertas pedindo que o setor desacelerasse. Esta semana, ao morrer aos 91 anos, deixou mais que uma estética de elegância discreta, mas um projeto de resistência contra a pressa e o hiperconsumo.
Em abril de 2020, Armani publicou uma carta aberta na Women’s Wear Daily (WWD). De Milão, em meio à crise da Covid-19, denunciou a superprodução e o calendário desconectado das estações. Apontou que o sistema começou a ruir quando o luxo imitou a lógica do fast fashion.
“A atual emergência mostra que a desaceleração cuidadosa e inteligente é a única saída”, escreveu. Para ele, a pandemia era uma chance de restaurar autenticidade e devolver valor ao trabalho dos criadores.
No mesmo texto, atacou também o excesso de desfiles transformados em entretenimento. “Basta de moda como pura comunicação, basta de cruzeiros ao redor do mundo para apresentar ideias frágeis com espetáculos grandiosos.” O estilista argumentava que eventos deveriam ser excepcionais, não rotina, porque o luxo se esvazia quando perde a noção de ocasião.
Naquele mesmo período, em entrevista ao The Talks, foi ainda mais incisivo. “Não faz sentido que uma jaqueta ou um terno fiquem três semanas na loja antes de se tornarem obsoletos. Não trabalho assim e considero imoral fazer isso.”

SUSTENTABILIDADE DE DENTRO PARA FORA
Um ano antes, em 2019, já havia antecipado ao jornal "The Guardian" o que se tornaria um mantra nos últimos anos de sua vida. “Meus valores sempre foram de certa forma sustentáveis. Nunca fiz coisas para serem jogadas fora depois de uma temporada.”
Defendia que os ciclos precisavam ser mais lentos e que era hora de produzir menos, mas com qualidade maior. Essas falas, vindas de um dos nomes mais poderosos do setor, davam peso a um debate que muitos preferiam evitar.
“Não faz sentido que uma jaqueta ou um terno fiquem três semanas na loja antes de se tornarem obsoletos.”
A moda mais que dobrou sua produção de roupas entre 2000 e 2014. Até 2030, o consumo deve crescer outros 63%, chegando a 102 milhões de toneladas por ano, segundo a McKinsey.
Muitas dessas peças são tratadas como descartáveis: consumidores de fast fashion usam as roupas em média sete vezes antes de jogá-las fora. De cada cinco itens produzidos, três acabam incinerados ou em aterros.
DO TAPETE VERMELHO À CIRCULARIDADE
No fim de 2020, Armani voltou ao WWD para detalhar mudanças que considerava urgentes. Defendeu a fusão de coleções, a busca por materiais mais sustentáveis e a revisão da cultura de tapete vermelho. Criticou o desperdício de roupas feitas apenas para aparecer diante das câmeras.
“Nada de criações usadas apenas uma vez, com enorme desperdício de talento e recursos. Recebo de bom grado as roupas que são vestidas muitas vezes, e uma nova consciência.”
Esse pedido vinha de alguém que ajudou a moldar o glamour das premiações. Armani vestiu Richard Gere em "Gigolô Americano" (de 1980), assinou figurinos para filmes de Martin Scorsese e, desde então, esteve ligado ao cinema e às grandes estrelas. Quando falava sobre o uso único de roupas em eventos, falava da posição de quem participou da criação dessa cultura.
O legado de Giorgio Armani em imagens
Em 2021, em entrevista à GQ, Armani condensou sua filosofia em uma palavra: rispettosi. “Respeito pelo corpo, pelo tecido, pelo consumidor e pelo mundo.” O termo traduzia não só sua visão de design, mas também a forma como entendia a moda como responsabilidade coletiva.
Na mesma conversa, surpreendeu ao se definir como “anti-fashion”. O que parecia contradição era, na verdade, uma recusa à obsessão da moda por novidade. Para ele, estilo não era seguir tendências passageiras, mas construir consistência.
TRÊS PALAVRAS PARA O FUTURO
Poucos meses antes de morrer, em março de 2025, Armani concedeu uma entrevista despojada à revista i-D. Ao ser perguntado sobre tendências, criticou o termo quiet luxury. O conceito ganhou força nos últimos anos para definir roupas minimalistas e discretas, geralmente caríssimas, que projetam status sem ostentação explícita.
Para Armani, a expressão não passava de um rótulo de mercado. “Muitas vezes é apenas uma fórmula para vender uma ideia reduzida de elegância que não tem personalidade real.”
Provocado a resumir sua visão de futuro, respondeu sem hesitar: “responsável, sustentável, autêntico.” Três palavras que ecoam sua trajetória e soam como testamento de quem passou a vida defendendo que a moda precisa de tempo e de respeito para ter valor. As mesmas ideias que ele já repetia em vida, e que agora ficam como herança para um setor ainda marcado pela pressa e pelo excesso.



