O bilionário improvável que fez da Patagonia um império — e abriu mão dele
Livro revela os bastidores da marca criada por Yvon Chouinard e como ela se tornou referência em negócios sustentáveis

Você provavelmente já ouviu falar da Patagonia, marca de roupas adorada tanto por aventureiros quanto por executivos do mercado financeiro. Mas, com mais de 50 anos de história, a empresa percorreu caminhos nada convencionais até se consolidar como um dos maiores ícones da sustentabilidade no mundo dos negócios.
Um novo livro revisita essa trajetória e revela episódios que até mesmo fãs de longa data desconhecem. Em “Dirtbag Billionaire: How Yvon Chouinard Built Patagonia, Made a Fortune, and Gave It All Away” (Bilionário desprezível: como Yvon Chouinard construiu a Patagônia, fez fortuna e doou tudo), o jornalista David Gelles conta os bastidores da construção da marca.
A partir de entrevistas detalhadas com Chouinard, a obra mostra os dilemas e pressões que o fundador enfrentou ao tentar criar uma empresa de roupas que causasse mais impacto positivo do que danos ao planeta.
Aqui estão três fatos surpreendentes dessa jornada:
A PATAGONIA JÁ TEVE O PENTÁGONO COMO CLIENTE
Nos anos 1970, o Exército dos Estados Unidos era um dos principais clientes da Patagonia. Tudo começou com os equipamentos de escalada. Apaixonado pelo esporte, Chouinard fundou a empresa justamente porque não encontrava grampos ou machados de gelo que o satisfizessem – então decidiu produzi-los.
Quando os militares descobriram a qualidade desses produtos, passaram a comprá-los para soldados que precisavam escalar paredes em missões.

Nas décadas seguintes, a Patagonia desenvolveu tecidos inovadores, capazes de aquecer e controlar a umidade ao mesmo tempo. Já nos anos 1980, o Exército usava roupas térmicas e fleeces da marca em regiões de frio intenso.
Hoje, essa parceria soa contraditória: uma empresa associada a ambientalistas e pacifistas fornecendo equipamentos para treinamento militar. Não à toa, a colaboração gerou críticas de funcionários e clientes contrários à guerra.
Chouinard, no entanto, não se abalava. Veterano da Guerra da Coreia, dizia compreender a dura realidade dos soldados e defendia: “roupas não matam pessoas. Pessoas matam pessoas.”
UMA PARCERIA IMPROVÁVEL: PATAGONIA E WALMART
Em 2005, o Walmart convidou Chouinard para fazer uma palestra na sede da empresa. O então CEO, Rob Walton, havia se aproximado de um especialista em sustentabilidade que trabalhava com a Patagonia e queria entender como a rede varejista poderia usar sua escala para gerar impacto positivo.
Chouinard, por sua vez, viu ali uma oportunidade: se conseguisse influenciar uma companhia do porte do Walmart, o efeito poderia ser enorme.
Segundo o livro, a cena foi memorável. Usando um casaco de lã surrado, com cotovelos remendados de couro, Chouinard subiu ao palco e foi direto ao ponto: acusou o Walmart de não usar sua influência para o bem.
Em seguida, mostrou uma calça jeans gigantesca, feita para uma pessoa com obesidade mórbida, e provocou: “tenho que admitir, isso é impressionante. Como vocês conseguem vender algo assim por US$ 8,99? Só o tecido já deve custar isso!”

Apesar das provocações da palestra de Chouinard, os executivos do Walmart estavam ansiosos para aprender mais. Então, começaram a fazer visitas regulares à sede da Patagonia para aprender o que pudessem.
As duas empresas colaboraram para criar a Sustainable Apparel Coalition, com o objetivo de desenvolver um conjunto comum de padrões chamado Índice Higg para as marcas de moda aderirem.
Mas, após o lançamento do índice, a parceria se desfez. Chouinard acreditava que os executivos do Walmart estavam dispostos a fazer algumas coisas simples para melhorar a cadeia de suprimentos da empresa, mas não o que era necessário para realmente limpar toda a cadeia.
ACIDENTE COM FORMOL
No fim dos anos 1980, a Patagonia abriu uma loja em Boston. Poucos dias depois, os funcionários começaram a se queixar de fortes dores de cabeça que não passavam.
A empresa chamou um especialista para investigar e descobriu que as roupas estavam cheias de formol. Ao abrir as caixas, os trabalhadores inalavam gases tóxicos, que são cancerígenos. O especialista recomendou instalar um sistema de ventilação mais potente. Mas Chouinard quis ir além: decidiu eliminar substâncias químicas perigosas de toda a cadeia de produção.
Esse processo levou anos e fez a Patagonia repensar inclusive o algodão que utilizava, já que a produção convencional da fibra depende fortemente de pesticidas.As taxas de câncer em regiões onde o algodão é cultivado eram 10 vezes maiores do que o normal.

Assim, Chouinard pediu à sua equipe que explorasse a obtenção de algodão orgânico. Em meados da década de 1990, a Patagonia estava entre as primeiras marcas de vestuário a usar algodão orgânico.
Quando os executivos do Walmart firmaram parceria com a Patagonia no início dos anos 2000, eles também se interessaram pelo algodão orgânico e começaram a fazer grandes encomendas aos agricultores.
Alguns funcionários da Patagonia temiam que o relacionamento prejudicasse os negócios da empresa, já que o algodão orgânico era parte do que a diferenciava do Walmart e de outros concorrentes. Mas, com o tempo, a Patagonia conquistou sua posição de liderança no setor de vestuário e percebeu que, quando outras marcas seguiam seu exemplo, era uma vitória para todos.