O que Maquiavel e São Francisco nos ensinam sobre a motivação dos CEOs

Estudo mostra forte ligação entre diferentes tipos de motivação pelo poder e o comportamento de líderes empresariais

estátuas de Maquiavel e São Francisco de Assis
Créditos: Liz Leyden/ Katie Dobies/ Getty Images

William D. Spangler e Aleksey Tikhomirov 4 minutos de leitura

No século 16, Nicolau Maquiavel, autor de “O Príncipe”, descreveu o líder ideal como alguém capaz de fazer e desfazer acordos e de formar alianças com os mais fracos para derrotar inimigos poderosos e depois eliminá-los um a um. Esse líder coloca a culpa de seus erros em seus subordinados e executa adversários em público.

São Francisco de Assis, nascido em 1181, representava o oposto desse modelo. O futuro santo renunciou à fortuna da família e passou a vida como mendigo, pregando o evangelho pelo norte da Itália. Tornou-se símbolo de humildade extrema, mas sem jamais ser visto como fraco: conversava com papas e nobres e fundou uma ordem religiosa, a dos franciscanos, que existe até hoje.

No mundo corporativo atual, líderes com traços maquiavélicos são comuns. Mas também existem executivos mais próximos do exemplo de São Francisco: humildes, discretos, mas firmes. Nossa pesquisa aponta que essas diferenças podem ser explicadas por dois tipos de motivação pelo poder.

AS DUAS FACES DO PODER

Os psicólogos há muito tempo são fascinados pelas motivações inconscientes das pessoas e como medi-las. Uma avaliação desenvolvida na década de 1930, é o Teste de Apercepção Temática, ou TAT.

As pessoas escrevem contos sobre imagens ambíguas, e os pesquisadores então analisam as histórias para ver quais temas emergem – com o que o escritor se importa ou se preocupa e como ele vê o mundo.

O poder é realmente o "grande motivador", mas é o tipo de poder que faz a diferença.

Em 1970, o psicólogo David McClelland cunhou a expressão “as duas faces do poder”: para diferenciar o poder pessoal do poder socializado. O poder pessoal é movido pelo desejo de dominar. Quem se guia por ele tende a enxergar o mundo pela lógica da “lei da selva” – segundo a qual só os mais fortes sobrevivem.

O poder socializado, por outro lado, busca gerar benefícios para os outros. McClelland notou que pessoas focadas no poder pessoal costumam se voltar a símbolos de status e até a comportamentos autodestrutivos, como o consumo excessivo. Já os motivados pelo poder socializado tendem a se engajar em organizações e assumir papéis de liderança colaborativa.

COMO MEDIR A MOTIVAÇÃO

Nossa hipótese era clara: o poder pessoal explica o tipo de liderança descrito por Maquiavel, enquanto o poder socializado produz comportamentos mais altruístas, como os de São Francisco e de líderes modernos considerados humildes. Mas havia um desafio: como medir isso? Afinal, CEOs dificilmente aceitariam responder questionários ou testes para ajudar pesquisadores.

Nos anos 1990, o psicólogo David Winter demonstrou que discursos, entrevistas e documentos oficiais revelam motivações inconscientes de forma semelhante ao TAT, apontando uma maneira de estudar as visões de poder dos líderes.

Por exemplo, pessoas guiadas pelo poder pessoal tendem a buscar controle ou regular as pessoas ao seu redor, a tentar convencer os outros e a se preocupar com status e reputação.

Crédito: Deagreez/ Getty Images

Como o método manual de Winter era trabalhoso, recorremos à análise de texto assistida por computador para examinar falas de CEOs em entrevistas e teleconferências.

Em uma série de estudos de 2019, identificamos 40 líderes com perfil maquiavélico e 40 com perfil humilde. Primeiro, analisamos os padrões de linguagem que diferenciavam os dois grupos e criamos dois “dicionários” – um para cada tipo de poder.

O dicionário de poder pessoal incluía termos ligados à força, ao controle, à punição e ao medo do fracasso – como “derrotar” e “invadir”. Já o de poder socializado reunia palavras associadas a recompensas, mentoria e relacionamentos positivos.

A MOTIVAÇÃO DOS CEOs

Com esses parâmetros, um software analisou centenas de falas de CEOs e atribuiu pontuações a cada um deles. Também criamos índices de comportamento: um “maquiavélico” (como difamar concorrentes ou descumprir acordos) e outro “humilde” (como realizar doações significativas).

O resultado foi claro: os CEOs com altas pontuações em poder pessoal eram os que mais exibiam comportamentos maquiavélicos. Já os líderes com maior destaque em poder socializado demonstravam atitudes humildes e voltadas ao coletivo.

Vários CEOs da nossa lista de executivos humildes fundaram ou administraram empresas excepcionalmente bem-sucedidas e voltadas para as pessoas, incluindo Warren Buffet, da Berkshire Hathaway, Danny Wegman, da Wegmans, e James Goodnight, do SAS Institute. Vários desses CEOs "humildes" apareceram diversas vezes na lista anual da Fortune de Melhores Empresas para Trabalhar.

foto de warren buffet
Imagem gerada com auxílio de IA

A lista de CEOs maquiavélicos incluía Kenneth Lay, da Enron, e John Rigas, um dos fundadores da Adelphia Communications Corporation, que foi condenado por fraude. Mark Hurd, ex-CEO da Hewlett Packard, apareceu na lista da Complex dos piores CEOs da história da tecnologia.

Em geral, críticas a "lucros acima das pessoas", mau tratamento dispensado aos funcionários, escândalos, gastos excessivos, processos judiciais e acusações ou condenações por fraude caracterizam muitos dos nossos CEOs maquiavélicos.

McClelland estava certo. O poder é realmente o "grande motivador", mas é o tipo de poder que faz a diferença.

Este artigo foi republicado do “The Conversation” sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

William D. Spangler é professor associado emérito de administração na Universidade Estadual de Nova York. Aleksey Tikhomirov é palestr... saiba mais