Não é happy hour: o que realmente promove saúde social no trabalho
Muito além do burnout, empresas podem contribuir para reduzir a solidão e fortalecer vínculos, criando ambientes socialmente saudáveis

Happy hours, festas de fim de ano e confraternizações improvisadas não dão conta de um problema crescente dentro das empresas: a solidão. Criar espaços de descontração pode até aproximar colegas por algumas horas, mas não substitui vínculos verdadeiros, construídos no dia a dia. É por isso que a saúde social – a dimensão das relações humanas no trabalho – começa a se impor como pilar tão importante quanto corpo e mente.
Os números mostram a urgência. Uma pesquisa inédita da Pluxee revelou que 47% dos brasileiros se sentem sozinhos no trabalho, embora 78% considerem as amizades verdadeiras essenciais para permanecer em uma empresa. Apenas um terço, no entanto, percebe iniciativas consistentes para estimular conexões.
O retrato global é parecido. A Gallup aponta que apenas 21% dos trabalhadores estão engajados e que mais de um quinto convive com a solidão de forma recorrente. Nos Estados Unidos, pesquisa da KPMG indica que 81% dos profissionais veem amizades no trabalho como fundamentais para a saúde mental e a satisfação, mas 58% dizem que o excesso de interações digitais dificulta a criação de vínculos reais.
É nesse cenário que entra a voz de Kasley Williams, mestra em saúde pública e autora do livro recém-lançado no Brasil "Saúde Social: a Arte e a Ciência da Conexão Humana" (Editora Amarilys). Seu trabalho investiga a relação entre a qualidade das relações e o bem-estar e amplia esse olhar para dentro das empresas. “Líderes que criam saúde social serão aqueles que vão se destacar no futuro”, afirma.
A CENA NO DIA A DIA
A pesquisa da Pluxee mostra que pouco menos de 37% dos profissionais brasileiros citaram happy hours, almoços e cafés coletivos como eficientes para estimular vínculos entre colegas.
Kasley explica que a saúde social não se constrói apenas em encontros coletivos, mas na qualidade dos laços criados individualmente. “Não se trata de fazer com que todo mundo seja melhor amigo, mas de alimentar as amizades de qualidade dentro do ambiente de trabalho”, diz a autora.

Ela exemplifica com o que acontece na VaynerX Media, onde cada colaborador que entra tem cinco cafés marcados com colegas de áreas diferentes na primeira semana. É um gesto simples, mas que sinaliza desde o início que construir relações é prioridade.
Para Renata Rivetti, colunista da Fast Company Brasil, especialista em felicidade no trabalho e autora do livro "O poder do bem-estar" (Cia das Letras), o segredo está justamente nessa intencionalidade. “Grande parte do burnout vem do ambiente tóxico. E o ambiente tóxico tem a ver com as relações”, diz.
Ela defende que líderes cultivem rituais simples e regulares: check-ins semanais para medir o clima do time, rodas de conversa para abrir espaço a trocas reais e ambientes em que erros possam ser discutidos sem medo. “Saúde social tem tudo a ver com saúde mental. Não existe uma sem a outra”, afirma.
UM MOMENTO PARA GRATIDÃO E VULNERABILIDADE
Para alimentar a conexão entre as pessoas, há alguns caminhos além dos rituais: a intencionalidade. Se duas pessoas se encontrarem todos os dias, mas não tiverem nada para compartilhar, não haverá vínculo. O mesmo vale para empresas.
“Uma empresa socialmente saudável é aquela onde vínculos importam tanto quanto metas. Isso se traduz em líderes que sabem ouvir e reconhecer, equipes com alto nível de colaboração e uma cultura que enxerga confiança como vantagem competitiva”, reforça Carolina Romano, consultora de inovação, psicanalista, especialista em relações e cofundadora da Futuro Co.
como nas escolas, locais de trabalho também poderiam adotar momentos sem telas para favorecer interações reais.
Kasley indica que espaços de gratidão e de vulnerabilidade são poderosos para fortalecer conexões. No Google, isso virou prática cotidiana com a ferramenta interna de kudos, que permite enviar mensagens de reconhecimento a colegas, com cópia para os gestores.
“Gratidão é uma maneira rápida e barata de aprofundar relações. Cinco minutos dedicados a isso por semana podem mudar o clima de uma equipe inteira”, diz.
A Microsoft optou por trabalhar a vulnerabilidade. Em reuniões conhecidas como Own Your Failure, os integrantes compartilham erros e aprendizados. O que dá força ao encontro é quem fala primeiro: sempre a pessoa mais sênior. “Quando o líder mostra seus próprios fracassos, abre espaço para que todos façam o mesmo. É assim que se cria segurança psicológica”, explica.
TAMBÉM TEM HORA DE DESCONECTAR
Reconhecimento e vulnerabilidade fortalecem laços, mas não bastam. Saúde social também exige presença – e, muitas vezes, a coragem de desligar.
Kasley costuma brincar que, assim como algumas escolas vêm banindo o uso de celulares, certos ambientes de trabalho também poderiam adotar momentos sem telas para favorecer interações reais. “Poderia haver horários e locais dedicados, onde todos estão desconectados da tecnologia e realmente presentes, com a atenção voltada aos outros”, diz.
Os efeitos são visíveis. Funcionários socialmente conectados são 20% mais colaborativos, 32% mais inovadores e 24% mais resilientes, segundo Kasley. Além disso, reportam 92% mais crescimento profissional e 83% mais crescimento pessoal.

A Gallup mostrou ainda que ter um “melhor amigo no trabalho” torna os funcionários sete vezes mais engajados, leva a maior qualidade no que produzem e aumenta o bem-estar.
Um ambiente de trabalho que abraça a saúde social também é aquele que respeita os limites entre vida profissional e pessoal. “A empresa não tem que ser a única fonte de conexão das pessoas com a comunidade. Ela tem que ser uma das fontes. E a empresa tem que respeitar esses limites: a pessoa precisa ter tempo para dar atenção à família e aos amigos próximos”, afirma Kasley.
Nesse ponto, as lideranças precisam ficar atentas. Ela sugere até um gesto prático: “mesmo que você trabalhe à noite ou nos fins de semana, pode agendar o envio de seus e-mails para o horário comercial, modelando assim os limites aos outros e incentivando-os em suas equipes.”
O FUTURO DA SAÚDE SOCIAL
Para Kasley, a saúde social está hoje no mesmo ponto em que a saúde mental estava há 20 anos: reconhecida, mas ainda subestimada. A diferença é que já existem dados e experiências suficientes para provar que vínculos são tão essenciais quanto corpo e mente.
Nos próximos 10 anos, ela acredita que veremos programas de saúde social sendo oferecidos como benefícios corporativos, treinando líderes e equipes para cultivar relações mais saudáveis em qualquer modelo de trabalho, remoto ou presencial
ter um melhor amigo no trabalho torna os funcionários sete vezes mais engajados
A previsão é que todos os setores passem a incorporar a saúde social como valor estratégico. O que hoje parece radical em breve será parte da rotina. “Todos nós temos um papel nessa construção: fundadores, executivos, investidores e indivíduos. O futuro do trabalho e da vida em comunidade depende de como escolhemos nos relacionar”, conclui.
No Setembro Amarelo, em que se fala tanto sobre saúde mental, ampliar a pauta para a saúde social é um convite necessário. Ao investir em vínculos hoje, empresas não apenas fortalecem suas equipes, mas contribuem para um futuro em que prosperar juntos faça parte do trabalho e da vida.