Innovation Festival 2025: IA, negócios e liderança sob a pressão do agora

Festival reuniu vozes de diferentes áreas para mostrar como a IA já força empresas e pessoas a rever modelos, práticas e até a própria noção de urgência

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Camila de Lira 9 minutos de leitura

O Innovation Festival 2025, realizado pela Fast Company em Nova York esta semana. foi atravessado por uma sensação incômoda: a de que já estamos vivendo o futuro sobre o qual ainda tentamos teorizar.

A disputa entre modelos de IA abertos e fechados, a pressão sobre publishers e designers, o medo em torno da saúde mental dos jovens e o desafio de envelhecer em sociedades mais longevas e desiguais aparecem não como projeções para 2030, mas como questões imediatas.

Foram três dias de debates, painéis e workshops que se concentraram na região de Wall Street, coração financeiro dos Estados Unidos. E um dia de experiências fora do eixo de Manhattan, em espaços onde a inovação é colocada em prática.

Auditórios cheios mostraram o apetite por respostas. Mas a maior procura esteve justamente nas salas em que o tema não era a tecnologia, e sim as relações, de trabalho, de liderança, de saúde e até de como envelhecemos.

QUAL MODELO SEGUIR?

No Innovation Festival 2025, falar de IA significou falar de escolhas. Que tipo de arquitetura vai prevalecer? David Cox, vice-presidente de modelos de IA da IBM Research, desmontou a ideia de um modelo único para tudo.

Para ele, o futuro será composto por sistemas especializados, cada um com funções próprias e barreiras de segurança embutidas. “Só assim conseguimos garantir eficiência sem abrir mão de confiabilidade”, disse.

Essa defesa da diversidade de modelos abriu espaço para outra preocupação: a de que o controle acabe concentrado nas mãos de poucos. Foi nesse ponto que Anthony Enzor-DeMeo, head do Mozilla, puxou a memória para os anos 1990. Na época, a briga era entre sistemas fechados e uma web aberta.

Agora, disse ele, o mesmo risco reaparece: “Se deixarmos apenas um provedor ditar as regras, repetiremos os erros do passado. O usuário precisa poder trazer sua própria IA para dentro do navegador.”

A lembrança de DeMeo não ficou no passado. Alyssa Starzak, da Cloudflare, mostrou como a disputa já produz efeitos concretos no presente. Governos criam versões “soberanas” da internet, enquanto resumos automáticos desviam audiência de publishers.

O pano de fundo é a concentração em poucos players. O temor, mencionado em mais de uma sala, é ver a OpenAI repetir o caminho das big techs, e Google e Microsoft ampliarem ainda mais seu alcance.

O modelo que sustentou a internet nos últimos 15 anos chegou ao limite.

Daniel Kahn Gillmor, tecnologista da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), levou a preocupação sobre a concentração de poder um passo além. Ele alertou que o filtro de personalização que já conhecemos pode se tornar uma prisão.

“Se cada dispositivo conectado à internet souber exatamente quem você é e tentar se ajustar a isso, teremos basicamente uma tornozeleira universal. A bolha vai ficando cada vez mais apertada até ser quase impossível escapar.”

Para ele, o risco é ver a internet aberta se transformar em uma gaiola, controlada por governos, corporações ou pela própria indústria da publicidade.

NOVOS MODELOS DE NEGÓCIO

A busca na internet está migrando para os sistemas de IA. O Google, por exemplo, já adicionou resumos automáticos às respostas, tendência que se espalha por outras plataformas.

O que parece apenas uma conveniência para o usuário representa, para setores como o de publicação/ editorial, a demolição de estruturas inteiras de negócio. Sem cliques, não há publicidade; sem publicidade, não há produção de conteúdo; e sem conteúdo atualizado, os próprios modelos de IA perdem vitalidade.

Alissa Starzak, da Cloudflare, resumiu o dilema com um alerta: “dar crédito não é suficiente. Se não houver tráfego, se não houver criação contínua de conteúdo atualizado, a própria utilidade da IA se perde.”

Jonathan Haidt, autor de "A Geração Ansiosa"
Jonathan Haidt, autor de “A Geração Ansiosa” (Crédito: Fast Company)

A fala dela traduziu uma sensação recorrente no Innovation Festival 2025: a de que a IA ameaça devorar a fonte da qual se alimenta. Para publishers, jornalistas e criadores independentes, o desafio é encontrar novos arranjos econômicos capazes de sustentar a informação em um ecossistema já redesenhado.

Essa pressão também chega ao campo do design e da criação cultural. Ferramentas de IA produzem em escala e a baixo custo, abalando a lógica da escassez que por muito tempo garantiu valor às práticas criativas.

Para Chidi Achara, diretor global de produto da empresa de design e tecnologia Huge, a resposta não está em competir com a máquina em velocidade, mas em apostar no que ele chama de “design intencional”. Em sua visão, a web da IA precisa ser moldada por experiências que ampliem a agência humana, mais personalizadas, conversacionais e alinhadas a valores.

No festival, a sensação era de fim de ciclo. O modelo que sustentou a internet nos últimos 15 anos chegou ao limite. O que virá a seguir ainda não está definido, mas já pressiona quem vive de informação e quem depende dela.

DE IAG PARA URGÊNCIA

Se no campo dos negócios a questão é sobrevivência, no das empresas e das pessoas a palavra-chave foi urgência. Eiso Kant, cofundador e co-CEO da startup de software de IA Poolside, trouxe a previsão que reverberou em vários momentos do festival: em 18 a 24 meses, modelos de inteligência artificial poderão cobrir boa parte do conhecimento humano e executar tarefas de múltiplas etapas.

Para ele, essa trajetória não é mais hipótese, mas um processo em andamento que já altera a lógica econômica – times pequenos, com alta agência, passam a ter condições de enfrentar desafios antes restritos a grandes corporações ou governos.

inovação é sobre sobre como escolhemos liderar, educar e conviver em sociedades atravessadas pela tecnologia.

Esse cenário foi o pano de fundo para Pablos Holman, inventor e investidor em tecnologias radicais, adotar um tom mais irônico. “A IAG [inteligência artificial geral] vai surgir quando a OpenAI anunciar como produto”, disse, arrancando risos da plateia.

A piada, porém, expôs um incômodo real: entre previsões grandiosas e anúncios corporativos, há pouca clareza sobre como as empresas devem se preparar para impactos concretos.

A sensação de urgência nem sempre favorece a melhor tomada de decisões. Muitos líderes estão adotando IA a qualquer custo, sem um objetivo de negócio claro. O resultado é o chamado “purgatório de IA”: programas implementados mais para não ficar atrás na corrida tecnológica do que para gerar valor real – e que, na prática, atrapalham mais do que ajudam.

Essa discussão abriu espaço para outro eixo que atravessou o festival: o que acontece quando o foco deixa de ser a tecnologia e passa a ser os humanos.

E OS HUMANOS?

Entre as falas mais aguardadas do Innovation Festival 2025, Brené Brown trouxe ao palco uma mistura de humor, franqueza e análise. Pesquisadora e autora reconhecida por seus estudos sobre vulnerabilidade e liderança, ela foi direta ao falar de transformação: não é possível confundir ajustes incrementais com mudanças profundas.

“Numa verdadeira transformação, você vai precisar quebrar coisas – inclusive algumas das quais gosta. É preciso proteger o que serve e romper com o que não serve”

Nesse sentido, a liderança precisa ter firmeza para conduzir processos que são, ao mesmo tempo, dolorosos e necessários. Não se trata apenas de perseguir metas ou de manter a performance, mas de criar condições para que a mudança seja sustentável. Foi nesse ponto que Brené usou a metáfora que marcou sua fala.

a escritora e pesquisadora Brené Brown
Brené Brown, escritora e pesquisadora (Crédito: Eugene Gologursky)

“Boa liderança é poesia e encanamento. Um líder precisa ser capaz de lançar uma visão tão poética que as pessoas queiram segui-la, mas também ter compromisso com a excelência organizacional para construir os sistemas que entregam essa poesia. O que mais precisamos daqui para frente é autoconhecimento”

Se Brené Brown voltou o olhar para as lideranças, Jonathan Haidt tratou da juventude. Psicólogo e autor de “A Geração Ansiosa”, ele lembrou que a crise de saúde mental entre adolescentes não é uma projeção, mas uma realidade. A partir de 2012, com a popularização dos smartphones, os indicadores dispararam. E não são só os pais que percebem.

“Desta vez não são só os pais dizendo que a tecnologia é ruim. Os próprios adolescentes dizem ‘eu gostaria que as redes sociais nunca tivessem sido inventadas’. Eles sentem que estão presos”.

As duas falas, vindas de perspectivas diferentes, convergiram em um mesmo ponto: inovação não é apenas sobre novos modelos de IA ou sobre velocidade, mas sobre como escolhemos liderar, educar e conviver em sociedades atravessadas pela tecnologia.

LONGEVIDADE OTIMIZADA

A redefinição do humano em sociedades que mudam rápido não passa apenas por como educamos jovens ou formamos líderes. O Innovation Festival 2025 mostrou que ela também está no modo como entendemos o envelhecimento.

Josef Coresh, diretor fundador do NYU Langone Health’s Optimal Aging Institute, destacou que avanços em genética, microbioma e medicina preventiva já permitem deslocar a medicina de um olhar restrito à doença para uma visão de trajetórias de vida mais longas. O envelhecimento, disse ele, não deve ser tratado como decadência inevitável, mas como campo ativo de intervenção.

Numa verdadeira transformação, você vai precisar quebrar coisas – inclusive algumas das quais gosta.

Caroline Fox, líder global de clínica da Pfizer, reforçou essa transição ao lembrar que prolongar a vida exige redesenhar os sistemas que dão suporte ao cuidado. “O modelo centrado apenas em doença não serve para um século de vida”, afirmou.

Do lado dos investidores, Sarah Choi, bióloga e investidora em startups de biotecnologia, sintetizou a movimentação com uma frase que ecoou nos corredores: “a longevidade é o novo software.”

Para ela, o que antes era domínio das empresas digitais hoje migra para o campo da biologia, com startups que não prometem apenas eficiência, mas a possibilidade de estender tempo, corpo e autonomia.

REINVENTAR A DISTOPIA

O Innovation Festival 2025 mostrou que a distopia continua sendo a imagem mais fácil de projetar quando falamos de tecnologia. O colapso dos negócios, a captura da internet por poucos players, a saúde mental em queda, o envelhecimento em sociedades desiguais – todos esses cenários estiveram presentes. Mas a tônica não foi a de resignação.

O que se viu em Nova York foi um esforço para ressignificar o próprio exercício de pensar futuros. Em vez de aceitar que a aceleração nos empurra para destinos inevitáveis, os palestrantes insistiram em criar brechas: lideranças mais conscientes, modelos de negócio que ainda podem ser redesenhados, simulações que orientam escolhas políticas, biotecnologia que prolonga a vida de outra maneira.

Reinventar a distopia, nesse sentido, não significa negar os riscos, mas recusar a lógica da paralisia. O Innovation Festival 2025 terminou com essa tensão no ar: não o barulho das respostas definitivas, mas o silêncio que precede a tempestade.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais