IA não substitui os médicos, mas pode fazer diagnósticos mais precisos que eles
Médicos fazem o que podem – mas a inteligência artificial pode fazer ainda mais

Os seres humanos são falíveis – e isso vale também para os médicos. Erros e diagnósticos equivocados estão por trás de um número considerável de mortes. Além disso, profissionais de saúde têm seus próprios vieses e pouco tempo e energia para acompanhar todos os avanços em pesquisa.
Médicos fazem o que podem, mas a inteligência artificial pode ser capaz de fazer ainda mais. Por mais estranho que pareça confiar sua saúde a um robô, essa pode ser uma escolha que salva vidas.
A seguir, Charlotte Blease, pesquisadora do Programa de Psiquiatria Digital da Escola de Medicina de Harvard, compartilha quatro insights do seu novo livro “Dr. Bot: Why Doctors Can Fail Us – and How AI Could Save Lives” (Dr. Bot: por que os médicos podem falhar – e como a IA pode salvar vidas).
1. A medicina falha mais do que imaginamos
O erro médico é uma das principais causas de morte nos Estados Unidos, responsável por mais de 250 mil óbitos por ano. Cerca de um terço desse número está ligado a diagnósticos equivocados.
No mundo todo, a maioria das pessoas enfrentará pelo menos um erro de diagnóstico em algum momento da vida. E em países de baixa e média renda, essa taxa costuma ser ainda mais alta.

Mas os diagnósticos errados não são o único problema. Embora a medicina se apresente como uma prática científica, estudos mostram que tratamentos baseados em evidências são oferecidos em apenas metade dos casos. E, quando falamos em acesso, justamente os mais pobres, idosos, marginalizados e com doenças em estágio mais avançado costumam ser deixados para trás.
2. A IA é mais resistente
Ferramentas digitais não se parecem com o estereótipo clássico do médico: nada de jaleco branco ou estetoscópio pendurado no pescoço. Mas, em termos práticos, são extremamente resistentes. Não se cansam, não se estressam, não sofrem com sono, fome ou distrações. Seu poder computacional também não sofre das limitações do corpo humano.

Enquanto médicos mal encontram tempo para ler – quanto mais para se atualizar com pesquisas –, as máquinas conseguem processar enormes volumes de dados em altíssima velocidade, sem precisar de descanso.
Se os médicos apresentam variações de desempenho indesejadas, a inteligência artificial pode oferecer mais consistência. É verdade que chatbots também erram, mas a pergunta é: quem erra menos? Estudos recentes mostram que, em alguns casos, ferramentas de IA já superam médicos em raciocínio clínico, inclusive em relação a doenças complexas.
Um dos maiores diferenciais da inteligência artificial é enxergar padrões que escapam aos humanos. Em um estudo recente, pesquisadores testaram 50 casos clínicos (incluindo 10 doenças raras) em um chatbot popular.
A IA acertou 90% dos diagnósticos de doenças raras em até oito tentativas – desempenho superior ao dos médicos. Para os 10% da população mundial que vivem com doenças raras, isso pode ser um divisor de águas.
3. Bots podem ser menos preconceituosos que pessoas
É verdade que bots também podem reproduzir preconceitos, já que refletem os vieses humanos presentes nos dados que recebem. Esse problema, conhecido como discriminação algorítmica, ocorre quando os sistemas reforçam desigualdades e fazem recomendações injustas.
Na medicina, o risco é significativo. Um estudo de 2024 com o ChatGPT 4 mostrou que o modelo tinha mais probabilidade de diagnosticar homens do que mulheres em doenças igualmente comuns, como Covid-19 e câncer de cólon.
O mesmo estudo revelou que a ferramenta recomendava menos exames de imagem para pacientes negros do que para brancos – e ainda considerava homens brancos mais propensos a exagerar sintomas de dor do que qualquer outro grupo.

Discutir vieses, erros e segurança na inteligência artificial é essencial. Mas isso parte da ideia de que os médicos, no modelo tradicional, são naturalmente superiores. Infelizmente, as evidências mostram que eles também carregam preconceitos.
Como é mais fácil identificar o viés nos outros do que em nós mesmos, treinar a inteligência artificial para ajudar a expor distorções pode ser revolucionário. Por mais desconfortável que pareça, corrigir vieses em sistemas de IA pode ser mais viável do que eliminar decisões enviesadas tomadas por médicos em consultas rápidas e de alta pressão.
4. Pacientes tendem a se abrir mais com máquinas
Muitos médicos ainda acreditam que a inteligência artificial jamais poderia substituí-los no contato humano. Em pesquisas internacionais, quando questionados sobre o papel da tecnologia, a maioria aponta que bots podem assumir tarefas rotineiras, mas que a conexão humana sempre será indispensável.
No entanto, estudos sugerem o contrário: pacientes tendem a se abrir mais com máquinas. Eles relatam com mais facilidade sintomas delicados ou constrangedores, questionam diagnósticos e fazem perguntas.
Estar frente a frente com um médico pode, paradoxalmente, atrapalhar a comunicação de informações cruciais – como sintomas de alerta para câncer ou questões ligadas à saúde mental. A própria “humanidade”, em alguns casos, pode acabar interferindo na qualidade do cuidado.
Este artigo foi publicado originalmente na revista “Next Big Idea Club” e reproduzido com permissão. Leia o artigo original.