EUA querem controlar o algoritmo que impulsionou o sucesso do TikTok
Uma possível divisão entre o algoritmo da plataforma e o código usado no resto do mundo pode afastar usuários – e arruinar o grande trunfo do app

Desde o lançamento, o segredo do sucesso do TikTok sempre foi seu algoritmo, responsável por recomendar vídeos a mais de um bilhão de usuários ativos mensais em todo o mundo.
A capacidade de identificar os interesses de cada pessoa e mantê-la rolando a tela sem parar fez o aplicativo disparar em popularidade – e também explica por que, em média, os usuários passam mais tempo nele do que assistindo a um filme, por exemplo.
Mas o futuro da plataforma está em jogo. A controladora chinesa ByteDance estaria negociando um acordo inédito com o governo Trump. No último fim de semana, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse à Fox News que “o algoritmo também será controlado pelos EUA”.
O plano prevê que os dados do TikTok fiquem armazenados em servidores seguros operados pela gigante norte-americana Oracle, em parceria com um consórcio que incluiria o magnata da mídia Lachlan Murdoch, filho de Rupert Murdoch.
“O futuro do TikTok nunca pareceu tão sombrio quanto agora”, afirma Marcus Bösch, pesquisador e consultor especializado na plataforma.
Se os EUA realmente conseguirem assumir o controle do algoritmo da versão local do TikTok, seria uma vitória para a Casa Branca. Isso agradaria críticos que temem a influência do aplicativo sobre a vida dos cidadãos norte-americanos.
Essa pressão já levou à tentativa de banir a plataforma no país – uma medida que Trump vem adiando por meio de decretos. Sem apresentar provas, opositores alegam que o algoritmo poderia ser usado para espalhar propaganda antiamericana a milhões de jovens suscetíveis.
sob Trump, as regras sobre o que será ou não permitido podem mudar bastante.
Ainda assim, essa vitória pode sair cara. Se o algoritmo da versão norte-americana tiver qualquer diferença em relação ao usado no resto do mundo, os usuários podem sentir que ficaram com uma versão inferior do TikTok e abandonar o app em massa. A empresa não respondeu ao pedido de comentário da Fast Company.
Por enquanto, não se sabe exatamente como ficará a plataforma após o acordo. O que sabemos é que o TikTok depende de um algoritmo desenvolvido pela ByteDance ao longo de anos, treinado também a partir de aplicativos anteriores. Especialistas temem que esse sistema sofisticado acabe sendo transformado em uma ferramenta para promover apenas conteúdos favoráveis a Trump.
“Um feed nacionalizado pode parecer mais seguro e familiar, mas corre o risco de restringir o que as pessoas veem, filtrando o espaço global, diverso e caótico que fez o TikTok ser tão especial”, avalia Tom Divon, pesquisador da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel.
MUDANÇA NO ALGORITMO PODE DESAGRADAR USUÁRIOS
Outros temem uma guinada brusca. “Prevejo mudanças radicais no algoritmo da página For You”, afirma Jessica Maddox, professora de mídia na Universidade da Geórgia, nos EUA. Ela já observou que, em momentos de tensão política, o TikTok costuma dar destaque ao que chama de “conteúdo de programação de TV da tarde” – vídeos fofos de animais, bebês e dancinhas.
“Vejo isso se tornando cada vez mais comum, com usuários lutando para ‘reeducar’ o algoritmo de acordo com seus interesses reais”, explica. “O TikTok pode acabar se tornando um espaço de conteúdo mais genérico e superficial, perdendo a fama de reunir nichos hiperespecíficos.”
Até agora, o grande diferencial da plataforma sempre foi justamente essa capacidade de oferecer conteúdos altamente personalizados – algo que a colocou à frente de gigantes como YouTube e Instagram. Abrir mão disso pode nivelar a disputa.

Trump já chegou a afirmar que o presidente chinês Xi Jinping aprovou os termos do acordo, embora as versões apresentadas por Pequim e Washington divirjam, principalmente sobre o futuro do algoritmo. Segundo a mídia estatal chinesa, o Partido Comunista teria garantido que a ByteDance manteria o controle sobre ele – algo que Trump aparentemente negou.
Para Bösch, o TikTok pode acabar seguindo o mesmo caminho do X (antigo Twitter): tornar-se irreconhecível para a maioria de seus usuários originais, mas ainda manter uma base fiel de seguidores. E, sob Trump, as regras sobre o que será ou não permitido podem mudar bastante.
“Consigo imaginar termos políticos que não se alinhem com os interesses do governo sendo simplesmente bloqueados”, diz Maddox. “Os usuários também podem notar mudanças nas regras de moderação: reclamações que antes eram aceitas em recurso podem deixar de ser consideradas.”
Pesquisadores que acompanham de perto a plataforma também temem uma queda na qualidade do conteúdo, caso os usuários comecem a abandonar o aplicativo. “Essa versão provavelmente será inundada por propaganda política gerada por IA”, conclui Bösch. “Um prato cheio para estudo. Mas, para uso pessoal, provavelmente nada agradável.”