O que separa hype de relevância em produtos digitais

Criar um recurso de IA é relativamente fácil. Difícil é transformá-lo em experiência que realmente melhora a vida do usuário

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Paulo Chiodi 2 minutos de leitura

A cada novo ciclo tecnológico, surge uma corrida por “lançar algo com [nome da tecnologia do momento]”. Mas a grande verdade é que não é o hype que sustenta empresas; startups falham porque nunca resolveram um problema real das pessoas. O produto digital, em muitos casos, é o próprio negócio: se ele não entrega valor, não importa quão sofisticada seja a tecnologia por trás.

Relatórios da CB Insights mostram que 42% das startups fecham justamente por isso: faltou necessidade de mercado para o produto. Ou seja: não é a falta de tecnologia ou de investimento que é o vilão número um, mas a desconexão entre produto idealizado e problema que as pessoas realmente vivenciam.

Não é o dinheiro, não é a equipe, não é a tecnologia: é simplesmente a ausência de um problema claro para resolver. O WhatsApp cresceu em cima de uma dor banal e universal: comunicação gratuita e instantânea. O Spotify, sobre o desejo de acesso imediato à música sem depender de downloads. Esses produtos não nasceram para surfar hype, mas para resolver dores óbvias com fluidez.

Com a inteligência artificial, a régua ficou mais alta. Criar um recurso de IA é relativamente fácil. Difícil é transformá-lo em experiência que realmente melhora a vida do usuário. O Google Bard e o Meta Galactica fracassaram justamente porque priorizaram mostrar tecnologia antes de garantir utilidade.

Já o Duolingo, ao embutir IA no aprendizado de idiomas, fez a tecnologia desaparecer em segundo plano: o aluno conversa com um tutor virtual que entende seu ritmo, seus erros e suas preferências. A IA some, o valor aparece.

E a experiência não é detalhe. Pesquisas em UX mostram que 88% dos usuários não voltam a um site depois de uma experiência ruim e que mais de 70% dos negócios digitais falham por usabilidade fraca.

No mobile, a tolerância é ainda menor: se o app trava ou não flui, o usuário abandona em segundos. Se antes a experiência já era diferencial, hoje é linha de sobrevivência.

Crédito: Freepik

No Brasil, o Nubank ilustra isso com clareza. Seu app não foi só uma interface bonita; foi o que eliminou fricções históricas do setor bancário. Se hoje milhões de pessoas o usam como banco principal, é porque o produto resolveu dores concretas – abrir conta, transferir dinheiro, acompanhar faturas – de forma tão fluida que se tornou impossível voltar atrás.

Na era da IA, um produto digital bem feito não é sobre inovação pelo espetáculo, mas sobre relevância pelo problema que resolve. Experiência deixou de ser diferencial para se tornar questão de sobrevivência. Quem cria pensando em hype pode até aparecer nas manchetes. Quem cria para resolver problemas reais constrói negócios que permanecem.

APLICAÇÃO PRÁTICA

  • Antes decidir usar IA ou tecnologia “da moda”, faça pesquisa de mercado: entrevistas, MVP simples, problema bem validado.
  • Crie jornadas de usuário muito claras: onde começam as frustrações, o que falta, onde se perde engajamento.
  • Teste protótipos com usuários reais antes de escalar, não vale nada construir algo lindo se ninguém usar.
  • Monitore continuamente métricas de experiência: tempo de resposta, cliques para completar tarefas, erros comuns, taxa de abandono, satisfação. Ajustes constantes mantêm relevância.

SOBRE O AUTOR

Paulo Chiodi é gerente de produto do Itaú Unibanco e fundador da Product Guru's. saiba mais