Bebês geneticamente modificados já não são mais coisa do futuro

Startup já analisou milhares de genomas de embriões em busca de alterações que possam resultar em doenças ou malformações

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Ainsley Harris 3 minutos de leitura

Nossas origens importam? Essa é a pergunta que está no centro da Orchid, uma das novas startups que realizam triagem genômica em embriões humanos.

Hoje, cerca de 40% dos ciclos de fertilização in vitro (FIV) incluem algum tipo de teste genético. Mas, na maioria dos casos, trata-se apenas de uma análise básica de anomalias cromossômicas – algo semelhante ao que se obtém em um exame de amniocentese.

A Orchid e suas concorrentes, todas fundadas na última década, oferecem algo muito mais abrangente – e potencialmente mais radical.

A fundadora e CEO da Orchid, Noor Siddiqui, de 31 anos, ainda não tem filhos, mas planeja, junto com o marido, ter dois meninos e duas meninas. Já congelou mais de uma dúzia de embriões e pretende coletar ainda mais óvulos.

Cada um deles foi submetido à biópsia; o DNA foi amplificado, sequenciado e recebeu uma pontuação não apenas para detectar anomalias cromossômicas, mas também para avaliar riscos de câncer, autismo, diabetes, malformações e centenas de outras doenças.

Siddiqui acredita que as decisões mais importantes para quem quer ter filhos acontecem antes do nascimento: a escolha do parceiro e o genoma da criança. Ela enxerga a triagem genômica como medicina preventiva. “Pela primeira vez, os pais podem reduzir uma enorme quantidade de riscos que antes eram deixados ao acaso”, afirma.

A visão de futuro da empreendedora inclui relatórios de embriões com dados ricos, bem diagramados, que permitam a futuros pais eliminar da lista embriões com doenças raras graves e comparar riscos relativos em condições complexas, como esquizofrenia e deficiência intelectual. Para ela, essa prática será não só comum, mas essencial.

aplicativo mostra teste genético da Orchid para  embriões humanos
Crédito: Orchid

A motivação é pessoal: sua mãe perdeu a visão por conta de uma mutação genética. Na Universidade Stanford, onde estudou ciência da computação e inteligência artificial, Siddiqui descobriu o potencial de cruzar aprendizado de máquina com genética. “Eu vi o que aconteceu com minha mãe. Não quero que meus filhos sofram”, diz.

Desde sua fundação, em 2019, a Orchid já analisou milhares de genomas de embriões, ao custo de US$ 2,5 mil cada. A empresa vai além dos testes tradicionais de aneuploidia, oferecendo também pontuações de risco poligênico para doenças comuns como hipertensão e problemas cardíacos. Essas métricas, porém, são polêmicas na comunidade científica, já que fatores ambientais e comportamentais também pesam.

Ainda assim, famílias com histórico de doenças hereditárias e que dispõem de recursos financeiros não hesitam em recorrer à Orchid. O serviço, porém, levanta questões éticas: crianças são dádivas ou produtos otimizados? O modelo favorece casais com maior poder aquisitivo e reflete uma lógica de consumo que, na prática, pode significar "que vença o melhor bebê".

Crédito: Luis Molina/ iStock

A startup atraiu investidores de peso do Vale do Silício, como Anne Wojcicki (23andMe) e Brian Armstrong (Coinbase). Para Siddiqui, que fez parte do programa de bolsas de Peter Thiel, a ênfase na escolha do consumidor é intencional. “Acredito que os consumidores são inteligentes. No fim das contas, o arco da história tende para o bem”, afirma.

Enquanto pesquisadores avaliam os efeitos populacionais da triagem genômica, países com sistemas públicos de saúde já consideram os potenciais ganhos de qualidade de vida e economia em longo prazo.

A ideia de reduzir riscos genéticos soa atraente, mas, como lembra a própria biologia, nem sempre o acaso é falha: muitos abortos espontâneos, causados por anomalias cromossômicas, são também um mecanismo natural de proteção.


SOBRE O AUTOR

Ainsley Harris é escritor sênior da Fast Company desde 2014. saiba mais