Você já se envolveu em uma ‘infidelidade financeira’?
Veja como se comportar se você tem o hábito de esconder seus gastos ou, na posição oposta, se for a pessoa traída em uma relação em que há um acordo que envolva dinheiro

Na frente do caixa da loja, você avisa: “Não precisa de sacola, vou colocar tudo na bolsa mesmo”. Ou, antes de chegar em casa, você junta todas as compras em um único pacote na esperança de chamar menos a atenção. Pode ser ainda que, sem dinheiro por causa da perda de controle, você comece a deixar os boletos sob sua responsabilidade esquecidos na gaveta. Não faltam situações em que tentamos nos livrar da transparência na nossa relação com o dinheiro e escorregamos na chamada infidelidade financeira.
OS PEQUENOS TRUQUES NA INFIDELIDADE FINANCEIRA
Como uma criança que joga atrás do sofá ou em um vaso a embalagem do chocolate que não poderia ter sido devorado antes do jantar, simplesmente passamos a esconder pistas sobre o que é feito com o dinheiro, seja por medo de julgamento ou descontrole.
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O termo é mais frequentemente associado a casais, mas pode ser usado em outros tipos de relacionamento em que existe uma interdependência financeira. É o caso de namorados que dividem despesas, amigos ou colegas que dividem a mesma casa e em relações familiares, como a de pais e filhos adultos ou irmãos.
ESCONDER, MENTIR OU OMITIR INFORMAÇÕES FINANCEIRAS
Como explica Paula Sauer, professora de Economia Comportamental da ESPM, a literatura acadêmica define infidelidade financeira como o ato de esconder, mentir ou omitir informações que envolvam dinheiro em um relacionamento interpessoal próximo.
Geralmente, o comportamento envolve decisões que afetam o orçamento coletivo que podem ser por exemplo: compras não reveladas, dívidas escondidas, contas secretas, dinheiro guardado, manipulação de informações sobre rendimentos ou gastos.
Ainda de acordo com a estudiosa, a infidelidade financeira acontece em diferentes intensidades, desde uma mentira boba – por exemplo, em relação a uma compra pequena no cartão de crédito, escondida do (a) parceiro (a) - a situações graves de falência de uma empresa, que acabam por colocar todos os sócios em inadimplência. Nem sempre o comportamento está relacionado a má-fé ou falta de caráter, salienta a professora de Economia Comportamental.
“Muitas vezes, omitir sua realidade financeira pode estar relacionado a fatores como vergonha de sua situação financeira ou de algumas decisões equivocadas. Pode ser ainda para manter a autonomia, poder gastar parte do seu recurso sem ter de dar satisfação ao outro de tudo e com alguma frequência, uma questão de preservação, de proteção”, cita.
Em algumas situações, principalmente se há uma desigualdade relevante do poder aquisitivo – um lado tem um patrimônio muito maior do que o outro -, acrescenta Paula, quem tem mais recursos mente ou omite sua situação com medo de cair em golpes.
O INFIEL SABE DA SUA INFIDELIDADE?
Mas será que a infidelidade financeira acontece sem que o infiel perceba o que está fazendo? A resposta é não, de acordo com a professora da ESPM. Tudo acontece de forma consciente e tem como principal objetivo evitar o conflito.
A infidelidade financeira não é só o fato de fazer algo com o dinheiro em desacordo com o outro (a). “A infidelidade acontece quando se quebra um acordo explícito ou implícito que se tinha com o outro, quando uma das pessoas envolvidas na situação usa o dinheiro de maneira diferente do combinado”, explica. Esses acordos podem ser explícitos ou implícitos, mas possuem uma regra, de um combinado.
“A partir do momento em que se age diferente do acordado, entra em cena a omissão, a mentira e a distorção dos fatos. O fato, é que, em maior ou menor intensidade, a infidelidade financeira, assim como a infidelidade conjugal, magoa, mina a confiança entre os envolvidos”, diz Paula.
O QUE LEVA À INFIDELIDADE FINANCEIRA EM 6 PONTOS
Há muitas situações que levam uma pessoa a mentir, omitir ou distorcer situações que envolvam dinheiro. Paula Sauer resume o problema em seis pontos:
1. Medo de julgamento: receio de críticas por hábitos de consumo ou dívidas.
2. Conflito de crenças e valores: quando o padrão de gastos não coincide com o do parceiro.
3. Autonomia: desejo de manter independência financeira mesmo em arranjos coletivos.
4. Vergonha ou culpa: gastos impulsivos ou fora do orçamento podem gerar constrangimento.
5. Controle de poder: usar o dinheiro como instrumento de influência ou autonomia no relacionamento
6. Medo: uma pessoa pode ter receio de revelar sua situação financeira e se sentir vulnerável, explorada, exposta.
O LIMITE DA TRANSPARÊNCIA NAS FINANÇAS
Não é preciso ter um livro-caixa da pessoa física aberto para quem quiser consultar cada linha das despesas e receitas quando se trata de estabelecer um vínculo de fidelidade financeira.
Aqui, o ponto é não trair pessoas com quem você tem uma combinação financeira. Por exemplo, dividir os boletos de casa ou poupar para uma compra em conjunto – seja a troca da geladeira, uma viagem de férias ou colocar de pé o projeto de comprar um imóvel.
Paula lembra que não existe uma maneira ideal de lidar com o dinheiro que sirva para todas as pessoas, em contextos diferentes. Vai depender do grau de interdependência entre os envolvidos. Quanto mais o comportamento de um afetar as finanças de todos, mais importante será a transparência no manejo do dinheiro, de acordo com a professora da ESPM. Veja como se comportar de acordo com o tipo de vínculo financeiro:
- Casais em união estável ou casados: quanto mais entrelaçadas forem as finanças (conta compartilhada, bens comuns, dependentes financeiros, planos, objetivos de curto, médio e longo prazo), maior a necessidade de transparência. Aqui, é importante ter claro qual o regime de bens foi adotado no momento da formalização da união.
- Namorados ou colegas de moradia: É importante que haja um acordo e transparência no manejo dos recursos e despesas comuns, mas não necessariamente em tudo (gastos pessoais, rendimentos).
- Pais e filhos: a necessidade de compartilhamento deve diminuir à medida que os filhos conquistam autonomia financeira.
VANTAGENS E DESVANTAGENS
Compartilhar informações financeiras pode fortalecer a confiança e a cooperação. Além disso, facilita o planejamento financeiro (por exemplo, na compra de casa, viagem, aposentadoria) e ajuda a reduzir mal-entendidos sobre contribuições e responsabilidades de cada um. Pode ainda ajudar para que o processo decisório seja mais objetivo e menos impulsivo.
Por outro lado, pode-se gerar uma sensação de perda de privacidade ou autonomia, observa a estudiosa.
Segundo Paula, diferenças de valores (por exemplo, se um é poupador e o outro gastador), de crenças ou mesmo em relação ao que o dinheiro representa para cada um são situações que podem gerar conflitos constantes. "É possível que a exposição possa aumentar julgamentos ou críticas sobre hábitos individuais, até mesmo vergonha", alerta.
COMO FICA A RELAÇÃO SE HÁ INFIDELIDADE?
Muita conversa e ajustes de acordos e de comportamentos podem ser o melhor caminho quando casos pontuais e de baixo impacto (uma compra escondida, uma omissão pequena) são descobertos. E, segundo a professora da ESPM, podem até fortalecer a relação.
No entanto, adverte Paula, em casos graves e com recorrência, como dívidas grandes ocultas, contas secretas, manipulação de renda podem sim destruir a confiança a ponto de abalar o relacionamento — assim como ocorre na infidelidade conjugal; e mais, destruir não só o relacionamento atual, mas também os futuros, pois pode quebrar a relação de confiança.
O QUE FAZER EM CASO DE TRAIÇÃO?
Você passou pela situação de uma traição financeira, como causador (a) ou vítima? A seguir, veja as sugestões dadas por Paula Sauer.
Para quem descobre a infidelidade financeira:
- Use e abuse das técnicas de comunicação não violenta, evite confrontar em tom acusatório e abra espaço para diálogo.
- Pergunte sobre os motivos: muitas vezes, a omissão nasce do medo, da vergonha e não de má-fé.
- Defina limites: deixe claro quais informações sempre devem ser compartilhadas.
- Dependendo do estágio e desgaste provocado pela percepção de falta de transparência no manejo do dinheiro, será necessário, buscar a ajuda de um profissional para fazer a mediação, seja ele um advogado, um planejador financeiro ou um psicólogo.
Para quem pratica a infidelidade financeira:
- Reflita sobre o motivo da omissão: medo, vergonha, necessidade de controle?
- Considere os impactos no relacionamento: cada segredo financeiro mina a confiança.
- Dê pequenos passos de transparência — compartilhar um gasto oculto, abrir sobre uma dívida.
- Se a dificuldade for recorrente, buscar ajuda (financeira ou psicológica) pode ser essencial.