Labubu invade o luxo e transforma hype em desafio para marcas

O fenômeno das pelúcias colecionáveis, combinado à personalização, influencia o mercado de luxo, movimenta grifes e revela novas dinâmicas de consumo entre fãs da moda

Labubu invade o luxo e transforma hype em desafio para marcas
Divulgação Moinat e Louis Vuitton®

Paula Pacheco 7 minutos de leitura

Um invasor mudou o hábito dos consumidores e levou algumas das principais marcas de luxo do mundo a repensarem algo que faria os puristas da moda revirarem os olhos. Como lidar com o uso exagerado de penduricalhos em alguns dos modelos mais caros de bolsas de couro.

O penetra na festa vem da China, tem 10 anos e cabe na palma da mão. Virou assunto internacional, tornou seu dono uma das pessoas mais ricas no gigante asiático e fez a alegria de investidores. O Labubu, carro-chefe da marca de colecionáveis e pop art Pop Mart, se transformou em acessório de bolsas de celebridades, felizes em desfilar o charm (ou pingente) em formato de monstrinho em suas Louis Vuitton e Hermès.

TENDÊNCIA DA PERSONALIZAÇÃO

A partir do desenho despertado por celebridades como Lisa, do BlackPink, Rihanna e Dua Lipa, foi um pulo para o Labubu ir parar nas mochilas das mais variadas idades, de crianças a adultos, e se tornar um item cobiçado, como peça de colecionador, vendido a preços inflacionados no mercado paralelo.

"A ascensão do Labubu entre as celebridades demonstra que até mesmo acessórios aparentemente infantis podem atuar como marcadores de status cultural, não apenas econômico", resume a espanhola Pilar Escolano, consultora e instrutora internacional especializada em Merchadising Visual Estratégico, em entrevista à FastCo Money.

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Com a proliferação de charms - pingentes que podem ser pendurados em outros acessórios, como bolsas, colares, roupas, pulseiras e calçados –, as marcas de luxo internacionais viram a oportunidade de aproveitar o ressurgimento da tendência de personalização para ampliar sua participação no segmento com a inclusão dessa espécie de chaveiro em suas coleções.

APROXIMAÇÃO COM O LUXO

O movimento das grifes de investir nesses acessórios de olho na personalização faz um caminho diferente da Pop Mart. Afinal, se trata de pagar por algo que, mesmo custando pouco para os padrões das grifes internacionais, ainda é uma peça custosa.

Porém, a própria Pop Mart decidiu se alinhar ao segmento premium com algumas parcerias. No início de setembro, anunciou o acordo mais recente, com a Moynat. No site da marca parisiense, em destaque, está a coleção de bolsas com ilustrações feitas pelo artista Kasing Lung, criador do The Monsters, que tem entre seus personagens o Labubu. As vendas começam em 11 de outubro por valores na casa de US$ 2.500.

Antes, em agosto, foi a vez da marca suíça de joalheria Chopard se juntar ao fenômeno do boneco dos olhos arregalados. Foram lançados na época do Dia dos Namorados chinês 209 conjuntos, vendidos por cerca de US$ 3.500.

Em junho, o monstrinho da Pop Mart já tinha sido o protagonista de uma ação entre grandes marcas. Uma colaboração entre Sacai, Seventeen e a plataforma Joopiter, idealizada por Pharrel Williams, preparou um leilão on-line com 14 lotes de Labubus customizados que atingiram um total de US$ 337,5 mil, destinado à Unesco.

Durante o último US Open, realizado entre o fim de agosto e início de setembro, a tenista japonesa Naomi Osaka, que já foi a número 1 no mundo, exibiu sua coleção de Labubus, decorados com cristais, personalizados em parceria com a marca A-Moris, especializada em óculos e acessórios. Cada modelo, que faz parte de uma edição limitada, é vendido no site da marca por US$ 525. O site avisa que, por causa da procura, o envio pode levar de quatro a seis semanas.

O NAMORO DO LUXO COM O CONSUMIDOR

Em junho passado, a Louis Vuitton fez um grande movimento no universo dos pingentes de pelúcia. Mas, em vez de collab, preferiu criar uma linha, também para bolsas, com seus próprios personagens, batizados de Louis Bear. Para parte dos fashionistas, como são peças menores que os Labubus, levam vantagem no seu uso como acessório de bolsas de luxo.

"Eles são chiques, combinam perfeitamente com suas bolsas e definitivamente têm o potencial de fazer uma declaração por si só", publicou em matéria a Elle indiana, que chamou os acessórios de "a New Charm Couture", ou 'o novo charm da alta costura'.

A novidade da Louis Vuitton chega junto com uma outra linha de pingentes, batizada de Vivienne Fashionista - uma flor em várias versões com o famoso monograma LV. A primeira vez que foi apresentada ao público, apenas como Vivienne, foi em 2017. Agora, no entanto, vem agora em uma versão com mais acessórios, como óculos e pérolas, daí o nome Fashionista.

A estratégia das grandes marcas de luxo de usar personagens famosos ou adotar um design cheio de fofura, como no caso de Vivienne, da LV, não é nova. Grifes como a Tiffany, com personagens como Pikachu, e a Loewe, com o Totoro, são alguns exemplos de união entre símbolos infantis que chegaram às vitrines de luxo. Outra que também tratou de buscar um personagem para chamar de seu foi a Omega, com o relógio Speedmaster "Silver Snoopy". Lançado em 2015, hoje o item de colecionador chega a cerca de US$ 38 mil.

Em entrevista recente publicada no site da CNBC, Jeff Lindquist, diretor e sócio da Boston Consulting Group, explicou que colaborações (ou collabs) desse tipo vêm avançando na última década. O objetivo é chegar a clientes que, segundo o executivo, têm poder aquisitivo para comprar produtos de luxo. No entanto, não são tão ligados à moda.

“Fofura não é trivial. É estratégica. Ela tem um desempenho incrivelmente bom em plataformas como o TikTok, onde o que é viral e a relevância cultural são o que impulsiona a visibilidade e o desejo pelas marcas”, analisou Lindquist.

LABUBU DÁ TOQUE LÚDICO E ACESSÍVEL

Pilar Escolano analisa o papel da personalização, tão em alta novamente. Para a especialista, ainda que pareça contraditório o fato de muitas pessoas usarem os mesmos adereços nesse processo – como no caso do Labubu -, um o charm (ou berloque) pode assumir significados diferentes para quem o escolhe.

“A personalização não se mede apenas pela exclusividade do objeto, mas pela forma como ele é combinado, contextualizado e narrado. O mesmo berloque pode assumir significados diferentes dependendo da bolsa, do look, do momento ou até mesmo da atitude com que é usado”, explica Pilar. “É mais um código compartilhado que cada pessoa interpreta à sua maneira do que um gesto de absoluta singularidade.”

Mas o que justifica o sucesso de Labubu? Entre os fatores, segundo a consultora, está a estética "kawaii" (ou da fofura) e nostálgica, que se conecta com as culturas jovens e o colecionismo. Ela acrescenta ainda o fato de ser um acessório relativamente acessível, que permite "personalizar" uma bolsa de luxo com um toque lúdico sem um grande investimento.

Há ainda a influência do universo on-line. “(O Labubu) também funciona muito bem nas redes sociais, o que amplifica sua visibilidade. Em vez de simplesmente refletir um declínio no poder de compra, interpreto isso como um sintoma da democratização da linguagem do luxo. Hoje, você pode fazer parte de uma comunidade estética e cultural sem gastar milhares de euros”, explica Pilar.

As celebridades que aparecem carregando bolsas com Labubus pendurados, segundo a consultora, aceleram essa adoção, mas não são a única causa. “O personagem responde a um desejo geracional de brincar com o luxo e suavizar sua solenidade”, pontua.

A INSPIRAÇÃO DE JANE BIRKIN

Como referência, a personalização de bolsas mais lembrada até hoje foi feita por Jane Birkin. Tanto que virou até expressão no mundo da moda: birkinização.

A atriz e cantora francesa, morta em 2023, quis tornar sua bolsa de mão menos esnobe e única. Para isso, colou adesivos do Médecins du Monde e do UNICEF, enfeites e pingentes na personalização.

Sua bolsa se transformou em um símbolo tão importante para a moda. Tanto que seu nome batizou o modelo da Hermès com o nome Birkin. Recentemente, em julho passado, a versão original, usada por Jane, foi arrematada em um leilão da Sotheby's, em julho passado, por US$ 10 milhões.

A bolsa do ícone da moda e parceira do cantor Serge Gainsbourg já havia passado pelas mãos de vários colecionadores, depois de ter sido leiloada pela própria dona, nos anos 90, para caridade. O acessório foi desenhado pela atriz em um encontro casual com o CEO da Hermès, Jean-Louis Dumas, em 1984, em um aeroporto.

Mas o que a iniciativa de Jane Birkin tem a ver com o comportamento atual? "Um ícone de estilo não se define pela rejeição de tendências, mas por reinterpretá-las com seus próprios critérios. Uma bolsa de luxo com um Labubu pode se tornar uma declaração se for integrada de forma esteticamente coerente ao visual. Não é tanto uma questão de usar ou não, mas sim de como usar", analisa Pilar.


SOBRE A AUTORA

Paula Pacheco é jornalista old school, mas com um pé nos novos temas que afetam, além do bolso, a sociedade, como a saúde do planeta. saiba mais