Adoção e frequência de uso de IA dobram no Brasil, enquanto percepção de risco cai
Pesquisa mostra que quase 90% dos usuários de internet brasileiros usam IA generativa e revela queda na percepção de risco em relação ao uso da tecnologia

O brasileiro está adotando as ferramentas de inteligência artificial generativa com a mesma rapidez e amplitude que adotou as redes sociais. Em um ano, o número de usuários de internet do país que usam IA foi de 63% para 89%. A frequência dobrou e o número de empresas que utilizam IA também dobrou.
Ao mesmo tempo que atesta a capacidade do país em ser “early adopter”, os números acendem um alerta: estamos preparados para, mais uma vez, confiar tanto em uma tecnologia emergente?
Os dados são da segunda edição do estudo “Inteligência Artificial na Vida Real”, conduzida pela empresa de pesquisa Talk Inc., e apresentados em um evento em São Paulo na última quinta-feira pelas sócias Carla Mayumi e Cristina Brand. A pesquisa não buscou “superusuários” de IA. Ao contrário, o objetivo era entender como as pessoas comuns usavam a tecnologia.
De 2024 para cá, a quantidade de brasileiros digitalizados que dizem ter bom conhecimento sobre IA subiu de 68% para 81%. Antes menos de 30% dos que optavam pela tecnologia diziam usar frequentemente. Em 2025, esse indicador é de 52%.
De acordo com a sócia fundadora da Talk Inc, Carla Mayumi, a rapidez da adoção da IA foi vista em todas as áreas da vida dos brasileiros. Em um ano, o indicador de empresas que usam ferramentas de IA foi de 29% para 60%. Também dobrou o número de brasileiros que usam esses sistemas para pedir conselhos.
QUEM TEM MEDO DO GPT?
A adoção em larga escala trouxe também a queda na percepção de risco. Em 2024, 77% se preocupavam com a invasão de privacidade e com a forma que a IA usava os seus dados. Agora, são 69%. Já o medo de notícias falsas e deep fakes foi de 80% para 74% dos usuários de IA.
Embora a pesquisa mostre que as ferramentas preferidas dos brasileiros são de big techs, a percepção do brasileiro sobre o risco de controle e manipulação por grandes corporações caiu. A saber, as IAs generativas mais utilizadas no país são ChatGPT, da OpenAI, Gemini, do Google, e Meta AI, da Meta.
“O ponto de tensão que todos os especialistas apontam: as pessoas estão usando a IA sem saber o que elas estão usando. E isso é um risco grande”, comenta Carla.

Os modelos mais conhecidos de IA generativa não são abertos, não se sabe como eles tomam as decisões (a tal da explicabilidade) e não são divulgadas as estruturas que treinam essas soluções. Mesmo se fossem, a tecnologia é tão complexa que nem mesmo os criadores têm previsibilidade dos modelos.
Recentemente, o ChatGPT foi denunciado por tratar de assuntos impróprios com adolescentes; Meta AI estava divulgando conversas privadas dos chats no Google, mesmo sendo programada para não fazer isso.
Tiago Longuini, diretor executivo do Instituto Kunumi, o maior laboratório de pesquisa de IA do país, diz que os limites para a tecnologia ainda estão sendo testados. “A inteligência artificial ainda é uma tecnologia emergente e deve ser tratada como tal”.
O QUE VEM POR AÍ?
Para os brasileiros que optam pela IA, a visão é que se ganhou um super-poder: 74% dos entrevistados se sentiram com “super-poderes” de produção, conseguindo finalizar tarefas com mais agilidade e organização.
Caiu o percentual de usuários que se preocupam em ficar preguiçosos ao delegar tarefas para IA, de 68% em 2024 para 62% em 2025.
Um pouco mais da metade tem medo da dependência de IA. Há uma ambivalência no sentimento: ao mesmo tempo que temem a dependência. 62% se dizem mais produtivos, 56% mais criativos e 54% se dizem mais inteligentes ao delegar tarefas para a IA generativa.
A inteligência artificial ainda é uma tecnologia emergente e deve ser tratada como tal
O mesmo acontece com relação ao emprego: 62% das pessoas se preocupam com o desemprego geral, enquanto 46% se preocupam com a ameaça ao próprio emprego.
No futuro próximo, a IA é vista como parte integrante das equipes. Um terço dos entrevistados espera que suas empresas trabalhem com agentes de IA nos próximos cinco anos, e outro terço considera isso provável.
Tal ambivalência é sintoma de um mercado que está aprendendo a usar o produto, mas não compreende o processo. Um descompasso que já foi visto antes: quando adotamos as redes sociais.
“O nosso grande erro com relação às redes sociais foi a falta de letramento digital. Ainda dá tempo de corrigir isso para a IA”, afirma Pedro Markun, fundador do Transparência Hacker e criador do LAB Hacker.
EU PRIMEIRO
O uso da IA como conselheira dobrou de 2024 para 2025. De acordo com Carla Mayumi, milhares de brasileiros estão recorrendo à tecnologia para conversas mais íntimas. E por praticidade. “Muitos responderam que usam porque a IA está ‘na mão’ e é 'fácil'", aponta. Poucos responderam que optam pela “terapia do GPT” por não terem acesso a um psicólogo ou analista.

Para o pesquisador, psicanalista e cofundador da Float, André Alves, a sociedade está entrando em mais um experimento perigoso, ainda mais do que as redes sociais, já que há riscos diretos para o indivíduo e para o tecido do relacionamento entre pessoas.
Alves citou casos de “psicose de IA", que acontecem quando assistentes digitais são usados como uma “câmara de eco” para ampliar a paranoia de quem está falando com ele “A gente não tem a menor ideia dos interesses que estão em jogo. Estamos entorpecidos pela maior droga do nosso tempo, que é a conveniência”.