NFL joga duro com Trump ao escalar Bad Bunny para o show do intervalo
Escolha do artista porto-riquenho para o show do intervalo provoca reação da direita, mas reflete a busca da liga por acompanhar a cultura popular

Até agora, o mundo corporativo norte-americano tem evitado confrontar a agenda sociocultural do segundo governo Trump. Muitas empresas recuaram em políticas de diversidade e clima, cederam em disputas judiciais e silenciaram diante de medidas como tarifas protecionistas e políticas migratórias mais duras.
Por isso, surpreendeu a decisão de uma das instituições mais tradicionais dos Estados Unidos, a NFL (National Football League, a liga nacional de futebol americano), de escolher como atração principal do show do intervalo do Super Bowl LX o cantor porto-riquenho Bad Bunny, que canta principalmente em espanhol e tem sido abertamente crítico ao presidente.
Recentemente, o artista se recusou a fazer uma turnê pelo país devido às ações do ICE (a agência de imigração responsável por deportações), preferindo realizar uma temporada de 31 shows na capital portoriquenha, San Juan, que foi um sucesso comercial.
A reação de comentaristas ligados ao movimento MAGA (Make America Great Again) foi imediata e intensa. “Isso não é sobre música, é sobre colocar no palco alguém que odeia Trump e o MAGA”, declarou nas redes sociais o cineasta conservador Robby Starbuck.
Um apresentador da Newsmax o chamou de “uma pessoa terrível” e pediu boicote ao evento. Um integrante do governo afirmou que Bad Bunny é “divisivo” e prometeu “fiscalização do ICE” durante o jogo. O podcaster de direita Benny Johnson acrescentou: “inimigo declarado de Trump; ativista anti-ICE; não canta em inglês. A NFL está se autodestruindo.”
Na prática, no entanto, é difícil contestar a popularidade de Bad Bunny. Ele é um dos artistas mais ouvidos de todos os tempos. O show final de sua temporada em San Juan foi transmitido ao vivo pelo Prime Video e pela Twitch, batendo recordes de audiência da Amazon Music.
ACONTECIMENTO CULTURAL
Não é a primeira vez que a NFL enfrenta críticas semelhantes. Quando o rapper Kendrick Lamar foi escolhido para o show do Super Bowl anterior, houve chiado de setores conservadores – e o resultado foi a apresentação mais assistida da história do evento, com 133,5 milhões de espectadores.
A NFL, porém, não se vê como árbitro cultural. A decisão provavelmente veio da produtora Roc Nation, coprodutora do evento e parceira da liga, e da patrocinadora Apple Music. Todos compartilham o mesmo objetivo: criar um acontecimento cultural à altura do jogo.
No anúncio oficial, um executivo da NFL elogiou a “capacidade única de Bad Bunny de unir gêneros, idiomas e públicos”. É exatamente isso que a liga busca – não tanto julgar a cultura, mas interpretar onde ela está e para onde caminha.

Algo semelhante ocorreu no último Super Bowl, quando a escolha de Lamar também virou pauta de debate. Um usuário do X (antigo Twitter) escreveu na época: “Todos esses brancos irritados com o show do Kendrick Lamar… espero que no ano que vem chamem o Bad Bunny para cantar tudo em espanhol.”
Profética observação. Ainda assim, seria um erro ver a escolha como uma tomada de posição política da NFL, ou uma provocação a adversários ideológicos.
Bad Bunny é um dos artistas mais ouvidos de todos os tempos.
Observadores progressistas lembram que a liga já foi criticada por marginalizar o quarterback e ativista Colin Kaepernick, por ter poucos técnicos de origem diversa e por sua lenta reação aos problemas físicos causados por um esporte tão violento. Em todos esses casos, o objetivo da liga foi o mesmo que agora: alcançar o maior público possível em uma cultura fragmentada.
Até aqui, a estratégia tem funcionado. Depois de toda a polêmica online sobre o show de Lamar, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) recebeu apenas 125 reclamações, muitas delas por “falta de artistas brancos”, segundo a revista "Wired". Queixas que, claramente, não representavam o público em geral, mas apenas uma minoria barulhenta.