O audacioso plano de Pat Gelsinger para revitalizar a Intel
Há um ano, Pat Gelsinger abandonava seu Mac.
Em 2005, quando a Apple adotou processadores Intel em seus computadores, ele deixou seu PC de lado e se tornou um usuário de Mac. Mas, no mesmo ano em que se tornou o novo CEO da Intel (2021), a empresa fundada por Steve Jobs começou a investir em seus próprios chips. Voltar a usar PC, desta vez, não foi uma questão de escolha.
Havia um certo simbolismo em mudar de plataforma, mas isso foi apenas a consequência de um dos vários grandes revezes que a fabricante de chips enfrentou durante o mandato de seu CEO anterior, Bob Swan, que comandou a empresa por menos de três anos.
Por muito tempo, a Intel foi uma das principais empresas de tecnologia e era quase impensável que passasse por algum problema sério. Em 1965, seu cofundador e então presidente criou uma previsão que levou seu nome, a Lei de Moore. Segundo ele, o número de transistores em um chip dobraria num curto espaço de tempo, mais tarde especificado como a cada dois anos, resultando em cada vez mais desempenho e eficiência em processamento. À medida que a era do computador tomava forma, o mundo se beneficiava dessa tendência.
Nos últimos anos, no entanto, a hegemonia incontestável da Intel começou a ser abalada. Com processadores próprios, os novos Macs são avaliados como os melhores computadores da Apple de todos os tempos. Já em 2017, a AMD – eterna rival da Intel – introduziu seu primeiro processador Ryzen, voltado para usuários ávidos, como o público gamer, e bateu de frente com a gigante da tecnologia. Isso marcou o início do renascimento da AMD, que continua crescendo até hoje.
Mas o mais preocupante era que a Intel parecia estar indo por um caminho que poderia colocá-la em desvantagem a longo prazo em comparação com… bem, todo mundo. Em julho de 2020, ela foi forçada a adiar o lançamento de chips com tecnologia de 7 nanômetros, o mais recente avanço na arte e na ciência de reunir mais transistores em menos espaço. Enquanto isso, seus concorrentes já estavam na fase inicial de desenvolvimento de chips de 5nm, ainda mais eficientes. No passado, a empresa costumava dividir o trabalho pesado de fabricação com outras, terceirizando sua produção para a Ásia. Mas essa abordagem colocou em xeque todo o seu modelo de negócio, que consistia em projetar e desenvolver seus próprios produtos.
Foi nesse contexto que se deu a saída de Swan e a chegada de Gelsinger – ou, para ser mais preciso, seu retorno.
Além de se esforçar para reconstruir a cultura outrora lendária da Intel, Gelsinger convenceu o conselho a investir pelo menos US$ 43,5 bilhões – valor que não incluía quaisquer subsídios do governo ou os planos futuros para a Europa – em novas fábricas de chips (no jargão da indústria, “fabs”). A companhia usará parte desse dinheiro para produzir semicondutores desenvolvidos por sua equipe. Mas, sobretudo, ela quer se posicionar como uma grande fabricante para toda a indústria, produzindo chips de outras empresas – mesmo modelo de negócios que tornou a TSMC uma gigante.
A ambição da Intel não é apenas criar uma nova e importante fonte de lucro. Ao investir na produção de chips dentro dos EUA, a empresa pretende fazer com que o país volte a ser uma superpotência manufatureira. Ela quer evitar uma futura escassez de chips, como a que afeta a economia global atualmente. E ainda espera garantir que possíveis questões geopolíticas não agravem o problema.
“NÃO HÁ COMO UM NOVO CEO ASSUMIR E EM CEM DIAS CORRIGIR 10 ANOS DE ERROS. MAS ESTAMOS NO CAMINHO CERTO.”
Criativo e assumidamente nerd, ele age como uma pessoa comum, não alguém extremamente polido. Gesticulando enquanto explica todas suas ideias, ele demonstra entusiasmo pelo trabalho árduo que virá pela frente.
“Certamente, haverá muito suor, dedicação e lágrimas até que tudo volte a estar da maneira que precisa”, ele me disse em junho de 2021. “Não há como um novo CEO assumir e em cem dias corrigir 10 anos de erros. Mas estamos no caminho certo.”
CONSTRUINDO UMA INTEL MAIOR
Gelsinger não pretendia sugerir que a Intel adotasse um modelo de empresa independente, como a AMD fez em 2009. Sua nova estratégia, no entanto, envolvia fazer com que ela deixasse o orgulho de lado e parasse de agir como a única responsável por desenvolver novos chips para o mundo. Isso significa se tornar uma fabricante para outros desenvolvedores – possibilidade na qual já havia demonstrado certo interesse no passado – e estar disposta a terceirizar a produção de seus próprios projetos para outros fabricantes quando conveniente, da mesma forma que a TSMC. Além disso, a Intel também ofereceria sua arquitetura de chip x86 como propriedade intelectual a outras empresas para fins específicos, por exemplo, para a criação de um chip altamente otimizado capaz de executar softwares específicos em um enorme data center.
A estratégia de se tornar uma fabricante para outros exigiria não apenas uma nova mentalidade, mas também um enorme investimento em capacidade de produção: “Seremos uma fabricante importante e competitiva em escala”, afirma Gelsinger. A Intel está alocando US$ 20 bilhões para a construção de duas novas fábricas na sua unidade em Chandler, Arizona. Além disso, está investindo mais US$ 20 bilhões em outra, totalmente nova, em New Albany, Ohio. A unidade no Novo México receberá uma nova fábrica de embalagem de chips, com valor estimado de US$ 3,5 bilhões.
A empresa também pretende expandir suas fábricas para a Europa, embora a localização exata ainda não tenha sido definida. E, em fevereiro último, adquiriu a Tower Semiconductor, com sede em Israel, uma fábrica de chips diferentes do modelo da Intel, por US$ 5,4 bilhões.
Há bastante tempo, os Estados Unidos já haviam perdido seu lugar de destaque na indústria de chips. Em uma estatística frequentemente citada, a porcentagem de fabricação de semicondutores norte-americana, que era de 37% em 1990, caiu para apenas 12% em 2020. Mas, no verão do mesmo ano, os legisladores decidiram fazer algo a respeito.
Com o interesse do governo em investir na produção doméstica de chips, era inevitável que a Intel participasse. “Há apenas três empresas no mundo com a tecnologia necessária e que são capazes de fazer investimentos desse porte”, diz Gelsinger. “São elas: a TSMC, a Samsung e a Intel. E apenas a nossa é uma empresa ocidental.”
Todo CEO deseja cumprir uma missão que vai além do lucro. Mas, para Gelsinger, os desafios ainda estão se revelando aos poucos. “É algo grande e emocionante”, diz ele. “Reviver uma marca icônica, mas também ajudar toda uma indústria, reposicionando o país no mundo a partir da tecnologia e da segurança nacional, e fazer isso em meio a uma pandemia e escassez global. É, sem dúvida, um grande desafio. Fizemos mais progresso do que acreditava que conseguiríamos em um tempo tão curto, mas ainda temos um longo caminho pela frente.”