O segredo da comédia romântica perfeita
“Não existe guilty pleasure, existe apenas prazer”. Guilty pleasure é a expressão que usamos quando gostamos de algo, mas sentimos uma certa vergonha ou constrangimento ao fazê-lo. A frase anterior é justamente um mantra que, além de válido, saudável e necessário, nos exime da culpa que podemos sentir ao ter prazer com algo. Mas ela também pode soar um pouco absurda para quem ama comédias românticas.
Isso porque elas costumam trazer supostos conflitos do tipo: será que eles vão ficar juntos ou não? (E é claro que vão!). Sempre narram histórias apaixonantes e isso é justamente o que torna o gênero tão único. Nós amamos sua previsibilidade.
Em 11 de fevereiro, bem a tempo do Valentine’s Day, o equivalente ao nosso Dia dos Namorados, a Amazon Studios lançou em sua plataforma de streaming o filme I Want You Back, uma comédia romântica moderna estrelada por Jenny Slate e Charlie Day. Ambos interpretam personagens que foram abandonados por seus respectivos parceiros. Então eles se unem, cada um prometendo ajudar o outro a recuperar o amor de suas vidas, nos mesmos moldes, mas com um tom totalmente diferente do clássico de Hitchcock Pacto Sinistro. Será que eles, sem querer, podem se apaixonar pelo caminho? Quem poderia imaginar?!?
I Want You Back é uma comédia romântica perfeita, cheia de reviravoltas, cenas emocionantes e muito humor entre os protagonistas. Mas criar um mundo para esse gênero – de cenários a adereços – é um trabalho extremamente minucioso, supervisionado por um designer de produção. No longa, Michael Perry ficou responsável por essa função. Seu primeiro trabalho foi em Susie e os Baker Boys, uma comédia romântica de 1989, que recebeu três indicações ao Oscar. Desde então, ele já se aventurou por todos os gêneros que você pode imaginar. (Quando foi escalado para I Want You Back, havia recém-acabado a produção do reboot do Massacre da Serra Elétrica.)
“Meu trabalho é criar um mundo onde o roteiro possa ganhar vida”, diz Perry. “Eu crio uma estética que funcione para o roteiro, não tem a ver com gosto pessoal.”
ANTES DE TUDO, APAIXONE-SE PELA CIDADE
O segredo para qualquer comédia romântica está na ambientação, uma lição que Perry aprendeu ainda em Susie e os Baker Boys, quando trabalhou com o designer de produção Jeffrey Townsend. Na época, viu em primeira mão como o gênero pode se beneficiar de artifícios presentes em documentários: como explorar uma cidade específica em busca de um possível casal.
“Quando pensamos em Harry e Sally [Feitos Um para o Outro] …, pensamos em Nova York. Com Susie e os Baker Boys, nos vem logo à cabeça Seattle”, diz. Para I Want You Back, a cidade escolhida foi Atlanta. Perry decidiu chegar algumas semanas antes das filmagens começarem para conhecer melhor a capital da Geórgia. “Os restaurantes descolados que vemos no filme existem na vida real. E as artes urbanas, como o grafite, têm um estilo único, algo que nunca tinha visto antes. Incluímos um pouco disso no filme.”
A cidade também foi o pano de fundo para a série de zumbis The Walking Dead. Então, como poderia contribuir para o romance no filme?
COMÉDIAS ROMÂNTICAS NARRAM HISTÓRIAS APAIXONANTES, E ISSO É JUSTAMENTE O QUE TORNA O GÊNERO TÃO ÚNICO. NÓS AMAMOS SUA PREVISIBILIDADE.
“De muitas maneiras. Conseguia imaginar minha namorada e eu andando pelas ruas de lá, ou frequentando os bares legais da região”, diz Perry. “É importante conseguir visualizar essas vivências, pois é exatamente o que queremos transmitir.”
Perry amplifica e aprimora essas experiências nas filmagens. Várias cenas importantes acontecem em um restaurante (outra característica comum em comédias românticas). “Ele tinha, antes de tudo, que ser charmoso. Mas, ainda assim, precisamos trabalhar o ambiente inteiro. Isso é algo que não tem como escapar”, diz, com uma risada. O restaurante no filme foi decorado com fotos da cidade, placas vintage dos anos 1950 e totalmente limpo para que parecesse impecável na tela.
“Instalamos lâmpadas de neon para dar uma aparência única, já que ninguém mais usa esse tipo de iluminação”, conta, fazendo alusão a uma placa de “aberto” e a uma luz amarela de neon que a produção colocou estrategicamente para dar mais vida à cena. Muitas vezes, para transformar um ambiente sem graça em um cenário ideal para uma comédia romântica, apenas é preciso alguns ajustes e mais cor.
DEFINA UMA PALETA DE CORES
A cor é uma ferramenta extremamente útil no cinema. Se você prestar atenção a qualquer filme, perceberá que os designers de produção geralmente dão aos personagens e aos ambientes paletas de cores específicas.
Em I Want You Back, Perry usou cores para dar continuidade e ressaltar o tom romântico. “Gosto de escolher duas cores base e mantê-las presentes em todas as locações do set para que, quando você assista ao filme, reconheça que [cada cena faz] parte do mesmo mundo.”
Perry destaca que a paleta do filme foi escolhida ainda em suas primeiras caminhadas pela cidade. “Uma coisa que percebi foi que as ruas lá ainda são iluminadas com lâmpadas incandescentes, o que dá à cidade um tom mais quente. Era como se a cidade estivesse à luz de velas”, lembra. Além disso, Atlanta é repleta de vegetação e abriga 415 parques públicos.
Âmbar e verde se tornaram as duas cores base do filme. Ao assistir de novo, eu via essas cores em cada cena, de figurinos a ambientes, até mesmo nos móveis. Isso deixa de ser sutil quando prestamos atenção, elas estão por toda parte.
ADICIONE CAFÉ
Tenho uma teoria há anos: o segredo do romance no cinema está na presença de xícaras na cena. Basta reparar em qualquer filme, se há pessoas apaixonadas, você certamente verá xícaras de café, copos de cerâmica ou mesmo copos descartáveis com papelão em volta para evitar que queimem as mãos. E em I Want You Back não foi diferente: quase todas as cenas em que os protagonistas aparecem eles estão com uma xícara ou copo e bebendo algo, seja café, vinho, cerveja ou até mesmo frozen yogurt (não é um líquido, eu sei, mas é servido em copo de papel).
“Quando você anda pela rua, passa por um restaurante e vê um casal apaixonado, eles costumam ter uma taça de vinho nas mãos e brincam com ela enquanto conversam. É um clichê, eu sei, mas é uma imagem real que vemos muito na nossa cultura”, diz ele. “Se reparar bem, até as estátuas gregas têm taças nas mãos. No cinema, ela dá aos atores algo para fazer além de apenas gesticular. Eles podem usar esse recurso para enriquecer sua atuação. Mas não deixa de ser extremamente romântico! Como na cena do espaguete em A Dama e o Vagabundo. O efeito que sabemos que isso causa fez com que minha equipe tivesse que ter atenção redobrada, porque [os personagens] não podem comer a mesma coisa o tempo todo, e há muita comida [no filme].”
Isso é o suficiente para qualquer pessoa se perguntar: será que poderíamos pegar todos esses detalhes cuidadosamente pensados das comédias românticas e replicá-los na vida real? Bastariam alguns suéteres âmbar, xícaras de café e letreiros neon para criar um clima de romance e conquistar alguém?
“Nãooo. Definitivamente não,” Perry responde sem hesitar. “Mas eu acho que tudo isso faz parte da nossa cultura, o desejo de conhecer alguém, de se apaixonar e ficar com essa pessoa para sempre. E isso é incrível.”