O privilégio de ser mais velho

Os 70 não são os novos 50. Os 70 são os novos 70. Os 80 são os novos 80. E os 60, sim, são os novos 60

mulher da terceira idade usando computador
Crédito: Portra/ Getty Images

Marco Antonio Vieira Souto 4 minutos de leitura

O mundo está envelhecendo e o Brasil está envelhecendo bem rápido. Envelhecendo sem ter resolvido problemas cruciais de desequilíbrio social, diferentemente de outros países. O que faz com que tenhamos sempre que falar em velhices que se agravam com o fenômeno da interseccionalidade.

Envelhecer com a soma de outra exclusão é dramático em muitos casos. Mas tudo isso você já sabe. Ou deveria saber. Já deve ter ouvido falar em silver economy e como este segmento da população contribui de maneira muito positiva e significativa para os mais diversos segmentos da economia.

Você sabe também que, mesmo assim, as marcas não se tocaram que têm que fazer alguma coisa para se aproximar e ser relevantes para as pessoas com mais idade. Talvez porque as empresas e instituições continuem achando que, mesmo com a capacidade de entrega de ofertas hipersegmentadas, ainda assim, vai envelhecer e tirar o glamour de suas marcas.

O nome disso, obviamente, é preconceito. Palavra que relacionada com envelhecimento durante muito tempo não era tão grave quanto está se tornando a cada ano. Talvez porque o crescimento da população com mais idade torne essas pessoas mais visíveis.

Se antes elas ficavam dentro de casa ou com os amigos na praça, pelas praias, por aí, sem incomodar ninguém, agora a gente se depara com pessoas com mais idade em todos os lugares. E um lugar, em especial, se incomoda bastante: o ambiente corporativo.

Isso por que essas pessoas não se aposentam mais aos 65 anos e está tudo certo. Abrem espaço para pessoas mais jovens, tudo se renova e fica tudo certo. Se fosse fácil assim, maravilha. Mas, vamos lá.

As pessoas vivem mais e não necessariamente conseguiram ter a capacidade de guardar mais dinheiro. Assim, aposentar-se aos 65 anos, para quem vai viver, acredite, mais de 80 anos, significa viver 25 anos por conta do que foi amealhado ao longo da vida. Para poucos.

Não dá para tentar encontrar nas pessoas mais velhas o que vimos e vivenciamos com nossos avós.

Por outro lado, quem chega no mercado de trabalho, ou melhor, quem chega na idade de adentrar o mercado de trabalho, não necessariamente quer trabalhar todos os dias, presencialmente, por muitos anos, ganhando cada vez mais responsabilidades. 

Eles estão certos, no meu modo de ver. Corroboro totalmente com esta visão de mundo. Ou com esse propósito, se preferem, de trabalhar para viver e não viver para trabalhar. Se posso trabalhar em qualquer lugar do mundo com a minha alma e corpo nômades, por que ficar enfurnado em trânsito, correria de almoço, trânsito novamente?

Estamos envelhecendo e é importante que a gente comece a desmanchar definitivamente os vieses inconscientes que orientam a nossa visão e entendimento desse segmento de pessoas. Não, os 70 não são os novos 50. Os 70 são os novos 70. Os 80 são os novos 80. E os 60, sim, são os novos 60.

Os novos velhos, como eu chamava em 2005, é um novo modelo de idoso – mais vivido, experiente, da forma como você quiser chamar, porque nenhuma delas é preconceituosa. Só não espelham, talvez, o que essas pessoas hoje são e serão cada vez mais.

homem e mulher da  terceira idade  trabalhando no computador e celular
Créditos: Barbara Olsen/ Pexels/ Freepik

Não dá para continuar olhando para as pessoas mais velhas e tentar encontrar nelas o que vimos e vivenciamos com nossos avós ou até mesmo nossos pais. Somos diferentes. 

O que talvez seja mais marcante nestes novos velhos é não aceitar o olhar e a percepção de coitadinhos, de frágeis, de quem precisa de cuidados, que não podem ser autônomos. Tudo isso é preconceito (já falamos sobre isso aí acima).

O que mais representa este momento é que se consolida aos poucos a percepção de sermos privilegiados. E assim devemos ser vistos. Privilegiados por tudo que vivemos. Por todas as nossas experiências que hoje constituem o nosso repertório de vida.

As pessoas estão vivendo mais, mas nem sempre conseguiram guardar dinheiro ao longo da vida.

Esse repertório que a gente pode acessar em 2008 com a crise econômica mundial e a chegada da inflação. Nós, sobreviventes da década de 1980 com seus múltiplos planos econômicos. Ou a capacidade de botar a bola debaixo do braço depois de um gol do adversário e levar para o meio campo.

Somos privilegiados porque ouvimos Caetano, Gil, Chico, Milton, Belchior e tantos outros ao vivo em lugares que hoje nem seria mais possível.

Esses velhos tempos que acessamos não são nostálgicos. Como disse, esse privilégio é só nosso. Mas podemos dividir, porque a ideia que doar ou deixar como legado é boa é algo que também trazemos desta estrada percorrida.


SOBRE O AUTOR

Marco Antonio Vieira Souto é head de estratégia do grupo Dreamers. saiba mais