Ao fim da sua vida útil, satélites da Starlink começam cair – e isso é um grande problema

Rede de satélites deve crescer exponencialmente na próxima década. Devemos nos preocupar?

letreiro em vermelho sobre fundo azul indicando que não há sinal de internet
Créditos: Zelch Csaba/ Benjamin Farren/ Pexels/ Michael Dziedzic/ Damon Lam/ Unsplash

Jesus Diaz 5 minutos de leitura

Os satélites Starlink, da SpaceX, estão saindo da órbita baixa da Terra em um ritmo cada vez mais preocupante: atualmente, entre um e dois deles reentram na atmosfera todos os dias.

De acordo com o astrofísico Jonathan McDowell, do Centro Harvard-Smithsonian, esse número deve aumentar à medida que mais deles chegam ao fim de sua vida útil – e com o rápido crescimento da constelação de satélites em órbita. O problema é tanto de escala quanto de projeto.

Hoje, existem cerca de 10,2 mil satélites ativos em órbita baixa, dos quais aproximadamente 8,5 mil pertencem à Starlink. Em outras palavras, cerca de 80% de todos os satélites nessa região são da SpaceX, empresa de Elon Musk.

Até 2030, a Agência Espacial Europeia estima que a quantidade de satélites nessa faixa da órbita terrestre deve chegar a 100 mil – impulsionada principalmente pela própria SpaceX, que pretende expandir sua frota para impressionantes 42 mil unidades.

Mas há outras constelações a caminho: o projeto Kuiper, de Jeff Bezos, deve lançar 3,2 mil satélites, enquanto as redes chinesas GuoWang e Qianfan planejam colocar cerca de 18 mil no espaço.

PROJETADOS PARA CAIR

Cada satélite da Starlink tem uma vida útil de aproximadamente cinco anos. Eles orbitam a Terra em alta velocidade, em uma altitude onde ainda sentem cerca de 95% da força da gravidade. O que os mantém em órbita é a velocidade lateral – superior a 27 mil quilômetros por hora.

Mas mesmo nessa altura, o atrito com a atmosfera é suficiente para desacelerá-los. As partículas de ar os atingem constantemente, fazendo com que percam altitude. Para compensar, os satélites utilizam pequenos propulsores movidos a criptônio e argônio, que os mantêm na trajetória correta. Quando o combustível acaba, a órbita começa a decair e eles inevitavelmente caem.

Antes disso, a SpaceX costuma realizar manobras controladas, direcionando os satélites para uma região remota do oceano, reduzindo o risco de reentrarem de forma aleatória.

quando os satélites queimam na reentrada, liberam partículas de metal que podem acelerar a destruição da camada de ozônio.

Mas nem todos se desintegram por completo – mesmo sendo projetados para isso. “Eles [os satélites da Starlink] foram projetados para queimar completamente”, explicou McDowell em entrevista ao site “EarthSky”. “Não temos certeza se isso de fato acontece, mas, em sua maioria, eles derretem.”

Com uma quantidade tão grande de satélites em operação, a constelação da Starlink se tornou uma preocupação global, tanto para quem está na Terra quanto para outros objetos em órbita. Se um satélite colidir com outro, pode desencadear o chamado “efeito Kessler” – uma reação em cadeia de colisões, como mostrado no filme “Gravidade”, de Alfonso Cuarón.

Um único acidente poderia gerar uma nuvem de fragmentos capaz de comprometer sistemas de GPS, comunicações, finanças e monitoramento meteorológico. No pior cenário, poderia mergulhar a civilização no caos. Na prática, a SpaceX está lançando milhares de “projéteis” em uma espécie de roleta-russa espacial.

explosão atinge astronauta em cena do filme "Gravidade"
"Gravidade" (Crédito: Warner Bros.)

Segundo McDowell, o ritmo atual de reentradas é apenas o começo. Com a primeira geração de satélites da empresa chegando ao fim de seu ciclo de cinco anos, entre quatro e cinco deles estão sendo derrubados por dia, de propósito.

Esse número deve crescer rapidamente à medida que mais unidades chegam ao fim da vida útil. Com dezenas de milhares de satélites em operação, corremos o risco de transformar o céu em um espetáculo constante de “fogos de artifício” – formados por metais em combustão que, ocasionalmente, caem de volta na Terra.

LIXO EM ÓRBITA

A SpaceX afirma adotar uma “abordagem de cinto e suspensório” para garantir segurança – uma expressão usada no setor para descrever o uso de sistemas redundantes que evitam falhas. Segundo a empresa, o risco de causar danos a pessoas é “menor que um em 100 milhões”.

Elon Musk diz que os novos satélites da linha Starlink V2 contam com sistemas aprimorados de controle de altitude e orientação, o que permitiria reentradas mais precisas. Mas, mesmo com as melhorias, cada novo lançamento aumenta a pressão sobre um ambiente orbital já saturado. A SpaceX não respondeu aos pedidos de comentário feitos pela Fast Company.

Há outro problema que vai além do risco de colisões: quando os satélites queimam na reentrada, liberam partículas de metal na estratosfera – um fenômeno que cientistas chamam de “chuvas de meteoros artificiais”. Pesquisadores alertam que esses metais, especialmente o alumínio, podem permanecer na atmosfera por anos e acelerar a destruição da camada de ozônio.

planeta Terra visto do espaço, cercado por lixo eletrônico em órbita
Crédito: Agência Espacial Europeia

Estudos detectaram níveis elevados de lítio, alumínio, cobre e chumbo na estratosfera, muito maiores do que seria esperado apenas com a queda de meteoros. Esses metais vêm de reentradas de satélites e podem quase dobrar as concentrações naturais de aerossóis metálicos, ameaçando a proteção da camada de ozônio.

As cerca de duas mil reentradas que ocorrem por ano liberam 17 toneladas de nanopartículas de óxido de alumínio na estratosfera. Mas, com o avanço das megaconstelações de satélites, esse número tende a crescer.

"Temos uma pessoa que é dona de metade de todos os satélites ativos. Isso é incrível. De fato, ele está ditando as regras. O resto do mundo… simplesmente não está respondendo com rapidez suficiente", afirmou o CEO da Agência Espacial Europeia, Josef Aschbacher, falando sobre os satélites de Elon Musk ao "Financial Times" em 2021.

Estamos assistindo, em tempo real, à ambição de um bilionário remodelar o espaço sem qualquer tipo de controle efetivo. O espaço não deveria ser o quintal particular de Elon Musk. Enquanto a humanidade arca com os riscos, ele segue em frente, determinado a expandir seu domínio para além do planeta.


SOBRE O AUTOR

Jesus Diaz fundou o novo Sploid para a Gawker Media depois de sete anos trabalhando no Gizmodo. É diretor criativo, roteirista e produ... saiba mais