No mês do orgulho, marcas podem criar pontes simbólicas, e isso não é pouco


Viviane Silvestre 3 minutos de leitura

Para as marcas, comunicar por oportunidade de calendário pode, por um lado, facilitar a vida de quem planeja e ser uma maneira de entrar na conversa do momento. Por outro, criar com pouco entusiasmo e sem um envolvimento genuíno pode gerar descrédito, no melhor dos casos, e uma crise, no pior. Minha intenção com este artigo é contribuir com a conversa sobre o mês do orgulho, apontando uma teoria para a fobia contra a comunidade LGBTQIAP+ e caminhos para que essa pauta ganhe força, brilho e cada vez mais cores.

POR QUE TANTO ÓDIO?

O real em psicanálise se refere a um registro da nossa experiência impossível de ser simbolizado. Se não podemos exprimir em palavras o real ele é, portanto, traumático. Fonte de profunda angústia, é a relação com essa instância que constitui nossas fobias, nossa errância e nossa relação conflituosa com o outro.

E o outro é isso: aquilo que, diferindo radicalmente de mim, coloca em cena o real do sexo e o impossível do encontro sexual, paraíso mítico da igualdade. Nessa equação, o medo do diferente posto em cena pelo real é o que pode, pela perspectiva psicanalítica, falar do preconceito e da violência contra gays, lésbicas, travestis e todos aqueles que não se identificam como cis-heteros.

Sem palavras para dizer, conhecer e saber o que move e o que caracteriza o desejo dessas pessoas, todas são relegadas ao papel de subalternas.

Por séculos, foram as mulheres que encarnaram esse real no corpo. O fascínio e a repulsa pelo corpo feminino foram capitalizados pelo patriarcado com as consequências que conhecemos. Aos poucos, graças à luta feminista, as mulheres conquistam a dignidade e, como ainda não inventamos um jeito de produzir riqueza sem exploração de algum corpo, outros são relegados ao real ininteligível do sexo: as pessoas LGBTQIAP+. Sem palavras para dizer, para conhecer e para saber o que move e o que caracteriza o desejo dessas pessoas, todas são relegadas ao papel de subalternas. Potenciais perigos para uma suposta normatividade.

PONTES POSSÍVEIS

Entrar na pauta do orgulho com honestidade significa dar voz a esse corpo subalternizado para que ele fale. Demande. Produza um discurso e, por conseguinte, um saber sobre si mesmo. Isso tem a potência de dignificar o diferente e trazê-lo para mais perto. Não para que se sobreponha, mas para que conviva no mesmo espaço do que é dito normal, o público.

Há também que se enfrentar o que ainda não foi dito ou explorado: interseccionalidade entre gênero, raça e orientação sexual, a emergência da bifobia – inclusive entre a própria comunidade –, a profusão de novas tecnologias de proteção contra ISTs e muito mais.

O universo LGBTQIAP+ é vasto e a contribuição da comunidade para a cultura humana não é desconhecida. Pelo contrário, desde o começo da nossa história, a criação LGBTQIAP+ tem produzido saberes, histórias e quereres que nos alimentam de emoção e entusiasmo. Da antiguidade clássica aos memes!

É ainda muito bem conhecida a demanda dessas pessoas por um envolvimento genuíno das marcas com relação às pautas políticas de inclusão profissional, financiamento e manutenção de espaços de resistência. Precisamos construir mais pontes entre nós para simbolizar esse mal estar difuso que, muitas vezes, a diferença do outro nos provoca e atravessa. Sem isso, tudo entre nós fica mais pobre. E mais real.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Viviane Silvestre é travesti, redatora publicitária e especialista em narrativas inclusivas. Já foi professora da Universidade Estadua... saiba mais