A liquidez mata a intimidade

Tudo passa a otimizar pela troca, não pela profundidade. Pela eficiência, não pela experiência

mão segura um celular do qual saem figuras de coração
Créditos: Kelly Sikkema/ Heather Clarke/ Willow Xk/ Unsplash/ Landiva Weber/ Pexels

Paulo Chiodi 1 minutos de leitura

A combinação de capitalismo e internet faz algo irreversível quando amadurece: ela liquefaz tudo. Cada domínio humano acaba virando um mercado. O que era orgânico vira transação. O que era ritual vira logística.

Essa liquidez não é só sobre dinheiro, mas sobre forma. Quando algo se torna líquido, ele perde contorno, identidade e resistência. É o que Zygmunt Bauman chamou de “modernidade líquida”: um tempo em que tudo precisa fluir para não desaparecer. Relações, ideias, valores, até a própria atenção.

A internet acelerou esse processo ao extremo. Criou uma economia de escala para a vida emocional.

  • Amor virou swipe.
  • Afeto virou notificação.
  • Pertencimento virou algoritmo.

Byung-Chul Han explica isso como a transição da “sociedade disciplinar” para a “sociedade do desempenho”. Ninguém nos obriga a correr. Corremos sozinhos. A lógica de mercado colonizou até o que parecia intocável: a intimidade.

Os aplicativos de namoro são o retrato mais visível disso. São hipereficientes, escaláveis, sedutores. Mas emocionalmente vazios.

  • Você não constrói mais intimidade, você dá match.
  • Não espera, rola o feed.
  • Não se arrisca, filtra.
Crédito: Freepik

E o mesmo padrão se espalha silenciosamente.

  • Na arte, visualização em vez de visão.
  • Na espiritualidade, conteúdo em vez de contemplação.
  • Nos relacionamentos, disponibilidade em vez de afeto.

Tudo passa a otimizar pela troca, não pela profundidade. Pela eficiência, não pela experiência.

O capitalismo liquefaz. A internet acelera. E o que sobra são sistemas que funcionam perfeitamente para experiências cada vez mais vazias.

No fim, a liquidez é a vitória da velocidade sobre o sentido.

A profundidade exige tempo, atrito, presença. Mas o mercado não tem paciência para nada disso.


SOBRE O AUTOR

Paulo Chiodi é gerente de produto do Itaú Unibanco e fundador da Product Guru's. saiba mais