A confiança sob ataque: o alerta das instituições às marcas

As empresas precisam assumir protagonismo no combate à desinformação usando sua credibilidade como instrumento

aperto de mão sobre fundo de mosaico
Créditos: Steve Johnson/ Unsplash/ Rawpixel/ Freepik

Marcio Borges 4 minutos de leitura

Um artigo publicado na "Advertising Age" mostra como a desinformação dirigida a marcas está crescendo em escala e sofisticação. Redes de bots movidas por inteligência artificial criam “falsas ondas de indignação” contra empresas, simulando boicotes populares e crises de reputação.

Esses exércitos de perfis inautênticos geram uma sensação artificial de revolta, amplificada pelos algoritmos e pela imprensa, até se tornar um fato social. O resultado é devastador: uma crise que nunca existiu se transforma em uma erosão real de credibilidade e valor de marca.

Esse não é um assunto novo. Esse tema foi apresentado no Maximídia de 2019, com números sobre social bots no Brasil.

Há um fio invisível que costura toda relação social: a confiança. Quando ele se rompe, o tecido que une pessoas, instituições e marcas começa a se desfazer. Vivemos uma era em que esse fio está sendo cortado – não de uma vez, mas em pequenos pedaços.

A erosão da confiança começou nas instituições que pareciam inabaláveis. Segundo o Reuters Institute Digital News Report 2025, apenas 42% das pessoas no Brasil dizem confiar “na maioria das notícias, na maior parte do tempo” – índice estável, mas muito abaixo do registrado há uma década.

Mesmo essa estabilidade esconde uma verdade desconfortável: cresce o ceticismo em relação à imprensa, aos governos e às empresas.

O Edelman Trust Barometer 2025 trouxe um paradoxo revelador: as pessoas confiam mais nas marcas que consomem do que nas instituições que as governam. Globalmente, 80% dizem confiar nas marcas que usam, contra 55% que confiam na mídia e 54% nos governos.

É um conforto temporário – e talvez um desvio de interpretação. Essa confiança “de consumo” é mais emocional que estrutural: se ancora no cotidiano, no que é tangível. Mas pode evaporar da noite para o dia quando a desinformação chega na esfera do consumo e atinge as marcas.

E ela já chegou.

Em um ambiente saturado por narrativas falsas, até a verdade soa como estratégia de marketing.

A estratégia central da desinformação não é fazer você acreditar em uma nova verdade. É fazer você duvidar da verdade que você já acredita. Basta semear incerteza e deixar que ela se espalhe.

As marcas estão no centro dessa tempestade porque existem, justamente, para gerar confiança. Esse é o papel essencial das marcas.

As pessoas compram não apenas produtos, mas a tranquilidade de saber o que esperar. É esse elo simbólico que transforma uma empresa em uma marca. E é esse mesmo elo que a desinformação busca capturar, porque ela explora a confiança.

Se a marca existe para criar o ativo da confiança, então a desinformação é o inimigo a ser combatido. Restabelecer a confiança como um ativo social, defendendo mercados, instituições seculares e democracias, deveria ser um papel central do próprio mercado publicitário.

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As marcas de legado investem para manter a confiança conquistada; as marcas novas, para merecê-la. Ambas dependem dela para existir. E é justamente essa confiança que está em risco.

O risco se agrava quando olhamos para as fraudes e os golpes digitais. O livro "Atingidos pelas redes sociais: os impactos da indústria da desinformação nos consumidores brasileiros", publicado pelo NetLab/ UFRJ, mapeou mais de oito mil anúncios fraudulentos veiculados nas plataformas da Meta entre 2023 e 2024 que usam indevidamente marcas do governo e de autoridades.

O estudo revela um ecossistema publicitário digital que se tornou terreno fértil para fraudes sofisticadas: perfis falsos, deepfakes de políticos, celebridades e marcas conhecidas, e para o uso criminoso de ferramentas de microssegmentação e anúncios dinâmicos, originalmente criadas para eficiência comercial, agora aplicadas para aplicar golpes nos consumidores.

Juntas, as duas evidências traçam um cenário preocupante: a confiança nas marcas, um dos últimos refúgios de credibilidade social, está sob forte ameaça.

As marcas estão no centro dessa tempestade porque existem, justamente, para gerar confiança.

O que estamos vendo é um deslocamento histórico da confiança. Confiança não só se perde, se transfere. Quando deixamos de confiar em algo, é porque passamos a confiar em outra coisa. Saímos das instituições para as marcas; das marcas para as pessoas; das pessoas para os algoritmos. Um movimento perigoso.

Até a publicidade honesta pode gerar ceticismo: Em um ambiente saturado por narrativas falsas, até a verdade soa como estratégia de marketing.

Quando o público perde fé nas instituições, busca segurança nas marcas. Mas, se as marcas também falharem, o próximo destino pode ser ainda mais instável: influência fabricada, comunidades fechadas, inteligências artificiais – cada um com sua própria agenda, emoção e viés.

As marcas precisam reconhecer que confiança não é um ativo fixo, é um fluxo em disputa. Quando perdemos o controle desse fluxo, perdemos o controle da confiança.

As empresas precisam assumir protagonismo no combate à desinformação usando sua credibilidade como instrumento. Nenhum outro setor, atualmente, possui tanto capital simbólico de confiança junto à sociedade. Se a desinformação ameaça corroer o que há de mais valioso nas marcas, então é dever delas proteger esse ativo.

Ainda existe um silêncio sobre isso. Empresas que já sofreram ataques não falam e empresas que ainda não sofreram desconhecem o impacto. A opacidade no mercado publicitário digital esconde falsas audiências, ataques de desinformação e protege o criminoso.

Está na hora de falarmos abertamente sobre transparência.


SOBRE O AUTOR

Marcio Borges é pesquisador associado do Laboratório de Estudos da Internet e Redes Sociais da UFRJ (NetLab). saiba mais