Horário super flexível, a nova fonte de discórdia entre chefes e funcionários
Estudos indicam que, quando há mais flexibilidade no local e no horário de trabalho, o número de horas trabalhadas tende a crescer

A relação entre chefes e funcionários vive uma nova tensão. Depois da disputa sobre onde trabalhar – no escritório ou em casa –, surge um novo campo de batalha: quando trabalhar.
De acordo com o relatório State of Hybrid Work 2025, da empresa de videoconferência Owl Labs, quase metade dos dois mil trabalhadores norte-americanos entrevistados afirmou não ter flexibilidade suficiente em relação aos horários de trabalho.
O que eles querem, segundo a Owl Labs, é o que a empresa chama de “microshifting”, ou, em termos simples, a liberdade de organizar o dia de trabalho de forma mais fluida. Isso significa poder interromper o expediente para resolver uma questão pessoal, descansar ou fazer uma pausa, e depois retomar o trabalho quando for mais conveniente.
A prática é altamente desejada: 65% dos entrevistados disseram querer trabalhar dessa forma e 37% afirmaram que recusariam um emprego que não oferecesse horários super flexíveis. Ainda assim, especialistas alertam que esse tipo de liberdade pode vir acompanhado de custos ocultos.
UM NOVO NOME PARA UM VELHO HÁBITO
Embora o termo “microshifting” seja recente, a ideia de organizar o dia de trabalho de acordo com as próprias necessidades não é nova. Ela ganhou força com a pandemia, que desfez antigas expectativas sobre o que significa “horário comercial”.
Em 2022, pesquisadores da Microsoft observaram o surgimento do chamado “dia de três picos”. Os dados mostraram que os funcionários eram mais ativos antes e depois do almoço, como em uma jornada tradicional, mas que também havia um terceiro pico de atividade por volta das 21h ou 22h, quando muitos voltavam ao computador.

Para a Microsoft, isso indicava uma reorganização espontânea do expediente. Para a Owl Labs, seria o horário super flexível em ação.
Estudos indicam que, quando há mais flexibilidade no local e no horário de trabalho, o número de horas trabalhadas tende a crescer. Durante a pandemia, pesquisas mostraram que as jornadas se estenderam, em média, de uma a duas horas.
Na prática, a possibilidade de sair para um compromisso pessoal muitas vezes vem acompanhada da expectativa de estar disponível para responder e-mails à noite. O resultado é um dia de trabalho que nunca termina.
TER UM HORÁRIO SUPER FLEXÍVEL NEM SEMPRE É VANTAGEM
Pesquisas do Google apontam que a integração constante entre vida pessoal e profissional pode ser prejudicial.
A empresa classificou seus funcionários em dois grupos: os “segmentadores”, que mantêm uma separação clara entre trabalho e vida pessoal, e os “integradores”, que misturam as duas esferas.
O resultado mostrou que os segmentadores relataram maior satisfação e o dobro de capacidade de se desconectar do trabalho quando desejavam.
a ideia de organizar os horários conforme as próprias necessidades ganhou força com a pandemia.
Misturar trabalho e vida pode parecer libertador, mas também dilui fronteiras essenciais para o descanso e o bem-estar.
Pedir flexibilidade é legítimo, afinal, a vida adulta exige conciliar demandas pessoais e profissionais. Mas transformar essa prática em política formal, com um nome da moda, pode gerar o efeito contrário. Em vez de apenas esticar o limite da jornada, o microshifting pode acabar com ele.
Se o trabalho pode acontecer a qualquer hora, a pressão para estar sempre disponível aumenta. A liberdade de “trabalhar às 23h se for mais fácil” pode se tornar uma obrigação – ou um hábito difícil de abandonar.