O corpo que me trouxe até aqui

Corpo positivo não é sobre ser magra ou gorda, é sobre ser livre, sobre pertencer a si mesma

Créditos: Mustapha Damilola/ Pexels/ Logan Voss/ Unsplash

Ju Ferraz 3 minutos de leitura

Minha virada de chave começou com um colapso. O burnout me fez parar duas vezes e, a partir disso, fez com que eu começasse a me ouvir mais. Foi no limite entre o esgotamento e a busca por sentido que entendi que meu corpo estava tentando falar comigo há muito tempo. E, como quase tudo na vida, o que parecia um fim acabou virando um recomeço.

Antes de ir parar no hospital com as crises de burnout e me ver obrigada a desacelerar, vivia o ritmo frenético do mercado. Trabalhava como executiva comercial, liderando grandes projetos, marcas e equipe, em uma empresa extremamente tóxica à época.

Eu, mulher nordestina e gorda, tinha aprendido desde cedo que precisaria trabalhar o dobro para provar o mínimo. Passei a vida me moldando para caber: seja nas roupas, nas expectativas, nos padrões. Até que um dia o corpo não aguentou mais.

Foi preciso parar para entender que aquele cansaço não era só físico: era emocional, mental e existencial. Paradoxalmente, foi o corpo, esse mesmo que tantas vezes tentei controlar, esconder ou ajustar, que me devolveu para mim.

Comecei a escrever sobre o que estava sentindo nas redes sociais. Dores, vulnerabilidades, medos, tentativas. De forma inesperada, encontrei acolhimento como influenciadora digital. Pessoas começaram a se reconhecer nas minhas palavras. Foi ali que comecei a me reconstruir pela troca, pela escuta e pela coragem de me mostrar como eu era.

Um tempo depois, recebi um convite da Vogue para escrever uma coluna sobre corpo positivo. Seria anunciada como “uma das vozes do body positive no Brasil”.

Naquele momento, nem sabia exatamente o que isso significava. Pesquisei, estudei e percebi que, na verdade, o corpo positivo sempre esteve na minha vida. Minha trajetória sempre foi sobre lutar por espaço, resistir ao olhar do outro e seguir em frente, mesmo com medo.

Foi o corpo, esse mesmo que tantas vezes tentei controlar, esconder ou ajustar, que me devolveu para mim.

Quando compreendi o que o movimento queria dizer, algo dentro de mim se libertou. Entendi que não era sobre ser magra ou gorda. Era sobre ser livre. Sobre pertencer a si mesma, independentemente do corpo, da origem, das regras ou das expectativas.

E foi dessa libertação que nasceu o B.O.D.Y – Body Open Defines You. Um evento, mas também um movimento de autoaceitação que reúne pessoas para falar sobre corpo, autoestima, liberdade, propósito e todas as verticais que se relacionam ao ato de se desprender de padrões que não nos cabem ou nos limitam.

A ideia surgiu em um salão de beleza, em uma conversa despretensiosa com uma amiga. Eu disse que sonhava em criar um evento sobre corpo livre. Ela me olhou e perguntou: “o que te impede?”.

Eu não soube responder.

participantes do evento B.O.D.Y - Body Open Defines You/ 2024
Crédito: Reprodução/ Instagram

Meses depois, em 2022, o sonho se materializou. O primeiro B.O.D.Y foi um dos dias mais marcantes da minha vida. Morrendo de medo, mas fui com medo mesmo. E vivi algo transformador.

O evento virou um espaço de diálogo, acolhimento e potência. Um lugar onde mulheres se reconhecem, se fortalecem e entendem que não estão sozinhas. E, agora, estamos indo para mais uma edição (dia 8 de novembro, no Hotel Unique, em São Paulo).

O B.O.D.Y é o reflexo da minha própria jornada e de como a vulnerabilidade pode ser força, e o corpo, um instrumento de transformação. Hoje, entendo que meu propósito é esse: transformar dor em diálogo, cansaço em cura e corpo em ponte.

Porque sozinha eu até posso ir mais rápido. Mas, juntas, nós vamos muito mais longe.


SOBRE A AUTORA

Ju Ferraz é sócia-diretora da Holding e idealizadora do B.O.D.Y. saiba mais