Soluções locais, impacto global
Tive o privilégio, na primeira quinzena de abril, de ir ao TED em Vancouver. Sou Ted Senior fellow desde 2015 e venho há anos acompanhando esse vasto universo de pessoas de todas as áreas que realizam as maiores inovações e buscam soluções para os problemas do mundo. Também são inúmeras palestras de superação pessoal, que são transformadoras. Aliás, em um período entre pandemias e diversas desigualdades, fica difícil se situar.
Voltei de lá esperançoso e otimista porque vi, como nas outras edições, muita evolução na medicina, na tecnologia, nos direitos humanos. Foram apresentações ricas em aprendizado. Em contrapartida, me surpreendi que, por lá, pouquíssimo se falou em fome.
Como alguns leitores devem saber, como chef, empreendedor social e designer de soluções, venho dedicando muita energia a desenvolver, apoiar e articular projetos inovadores capazes de combater a fome e o desperdício de alimentos e, ao mesmo tempo, ajudar as pessoas a entenderem que a hospitalidade gera muitas oportunidades de trabalho e a comida é uma ferramenta poderosa de transformação social.
Quando a FastCompany Brasil me convidou para ocupar regularmente este espaço, tive uma certeza, a de que quero utilizá-lo para compartilhar soluções criativas de gastronomia social e dividir o que tem ocupado boa parte do meu tempo e de minha energia: pensar soluções locais escaláveis que podem se tornar globais.
Não adianta querer proteger a floresta sem utilizar o rico recurso e o conhecimento dos povos originários.
A palestra da ativista por preservação das terras indígenas Nonette Royo confirmou o que venho aprendendo este ano ao visitar o Amazonas. Ela falou sobre um projeto de levar economia e educação para que os povos das florestas possam ser os maiores mobilizadores dessa grande reserva de terra.
Foi o que aprendi na Amazônia: não adianta querer proteger a floresta sem levar esse conhecimento a quem está lá, e sem utilizar o rico recurso e o próprio conhecimento dos povos originários. Haverá preservação onde houver uma economia ativa na floresta.
O PARADOXO DO DESPERDÍCIO
Vejam o exemplo do trabalho do Projeto Saúde & Alegria com as comunidades locais na Amazônia. Liderado há 35 anos pelos irmãos Eugênio e Caetano Scannavino, o projeto é uma das melhores evidências de inovação que vem da escuta, feita em conjunto com quem está na ponta. Como eles dizem, “nosso grande papel é nos tornarmos desnecessários”.
as foodtechs serão essenciais para reduzir o problema de desnutrição, fome e desperdício no Brasil e na América Latina.
Em um país que desperdiça anualmente 26 milhões de toneladas de alimentos produzidos nacionalmente, enquanto mais de 40% da população convive com a fome ou algum grau de insegurança alimentar, a inovação é fundamental para resolver esse grave paradoxo. Quando a gente fala em inovação, costuma pensar em startups. Vejo as foodtechs como a próxima geração de startups – serão essenciais para reduzir o problema da desnutrição, fome e desperdício no Brasil e na América Latina.
Ainda no TED, também foi impactante a fala da ativista digital argentina Micaela Mantegna, sobre a nova era do mundo virtual deflagrada pela chegada do metaverso. Depois de aprendermos com nossos erros na internet, esse mundo ainda em construção pode ser mais acessível, aberto e inclusivo – desde que as plataformas sejam socialmente responsáveis e conectem aos seres humanos novas formas de desenvolvimento sustentável.
Temos a tecnologia para tanto, mas a saída jamais deixará de estar no ser humano. Com um olhar de conexão na humanidade, a inovação pode conectar pessoas para, juntas, encontrarem as melhores soluções locais, que se tornarão globais. É uma premissa que repito em minhas palestras: a comida é uma solução, mas não é global. Global é a sensibilização, a mobilização e o advocacy – meios pelos quais podemos envolver e impactar milhões de pessoas com novas soluções, novos modelos, novas políticas públicas. E uma nova sociedade.