Tecno feudalismo: servos, vassalos e algoritmos
Como Yanis Varoufakis pode ter batizado a era em que os mercados deixaram de mandar e as plataformas começaram a reinar

Em tempos de transformações aceleradas, seguidamente surgem palavras ou expressões que tentam capturar o espírito do tempo. Conceitos que, de repente, parecem explicar tudo, da economia às nossas relações e comportamentos.
No início dos anos 2000, “A Cauda Longa” (The Long Tail), termo criado por Chris Anderson, ex-editor da revista "Wired", virou mantra ao revelar como uma grande quantidade de produtos de nicho pode ser mais lucrativa do que os produtos mais populares, os “hits”.
Um pouco antes disso, ainda no final do século 20, a expressão e a obra "Sociedade em Rede", de Manuel Castells, tornaram-se populares ao antecipar o poder das conexões em um planeta digitalizado.
Mas, por óbvio, nem todo novo conceito que parece ter boa fundamentação teórica e capacidade de síntese sobrevive à prova da realidade.
Nos anos 90, a “nova economia” das pontocom prometeu crescimento infinito e ruiu com o primeiro estouro da bolha. Mais recentemente, o “metaverso”, protagonizado pela Meta, parecia o novo eldorado digital, mas ainda é um oásis distante e não passou da adolescência.
Hoje, talvez estejamos diante de outro termo que me provoca e que parece destinado a marcar época. O grego Yanis Varoufakis, economista e ex- ministro das finanças da Grécia, surge com um diagnóstico tão radical quanto plausível em seu último livro: o capitalismo, diz ele, está morrendo e, em seu lugar, nasce o “Tecno Feudalismo” (nome da obra).
Segundo Varoufakis, não vivemos mais sob o domínio dos mercados, mas sob o reinado das plataformas digitais. Os “senhores feudais” de hoje são as big techs que controlam a infraestrutura digital, os fluxos de informação, os meios de pagamento e até a visibilidade das ideias. Senhores feudais não competem em mercados livres; criam seus próprios feudos.
Se o capitalismo industrial moldou o século 20, o tecno feudalismo dá os contornos do sistema nervoso do século 21.
As empresas que operam dentro desses domínios como startups, marcas, produtores de conteúdo e negócios dependentes dos ecossistemas digitais, são os “vassalos da nuvem”: pagam tributos, seguem regras e vivem da concessão de acesso gerando “renda” em vez de lucros para as big techs.
Já nós, os “usuários comuns”, somos os servos modernos: trabalhamos, produzimos conteúdo, geramos dados e mantemos o sistema girando, sempre de graça e sem perceber. Servos e vassalos sustentando os mesmos senhores em um império de algoritmos e dependência digital.
Varoufakis não fala de ficção distópica, mas de economia política. Para ele, as plataformas não apenas intermediam o mercado, elas o substituíram. Em vez de capitalistas disputando lucros em arenas abertas, temos proprietários de algoritmos cobrando pedágios digitais por cada transação, cada clique, cada traço de atenção. É um novo regime de poder, mais silencioso e mais total.

O conceito tem força porque nomeia algo que sentimos, mas ainda não sabíamos descrever: a sensação de impotência diante dos algoritmos, o desaparecimento da privacidade como preço da conveniência, a concentração inédita de riqueza e controle nas mãos de poucos.
Se o capitalismo industrial moldou o século 20, o tecno feudalismo dá os contornos do sistema nervoso do século 21, sustentado por dados, nuvens e submissão consentida.
Talvez, daqui a alguns anos, olhemos para trás e reconheçamos este momento como o da virada. Quando percebemos que o mundo não era mais movido por mercados, mas por plataformas que governam sem precisar governar. E que, mais uma vez, uma única expressão havia capturado o tempo em que vivemos e sintetizado ao máximo as nossas angústias.
