Quase R$ 14 mil em 3 anos: o perigo dos gastos invisíveis que parecem pouco

Pequenas despesas do dia a dia, como a do cafezinho, as entregas, o streaming extra, parecem inofensivas, mas somadas podem comprometer suas finanças e atrasar seus planos

Quase R$ 14 mil em 3 anos: o perigo dos gastos invisíveis que parecem pouco
Viktor Theo via Unsplash, kyoshino eAnton Vierietin via Getty Images

Márcia Rodrigues 6 minutos de leitura

Um café depois do almoço, uma assinatura de streaming esquecida, o delivery de sexta-feira ou aquele trajeto de aplicativo que poderia facilmente ser feito de ônibus, metrô ou a pé. Sozinhos, esses gastos parecem inofensivos. Porém, somados ao longo do mês, podem representar centenas de reais que desaparecem sem deixar rastro. São os chamados “gastos invisíveis”, despesas de pequeno valor e alta frequência que comprometem o orçamento sem que a maioria das pessoas perceba.

NETFLIX, SPOTIFY, AMAZON PRIME E MAIS GASTOS NO CARTÃO

Todos os gastos, desde o lanche fora de casa até assinaturas e serviços com débito automático, como Netflix, Spotify e Amazon Prime, despesas com aplicativos, assinaturas de revistas, sites ou jornais digitais e seguros embutidos no cartão de crédito estão incluídos nessa categoria. “O que os torna invisíveis é o fato de serem pequenos, frequentes e, muitas vezes, automáticos”, explica a economista e planejadora financeira CFP®️ Camilla Magrini.

“Há pessoas que tomam Uber pra ir trabalhar porque constantemente acordam atrasadas. A alternativa seria entender a rotina do sono, ajustá-la para que acorde no horário em que seja possível ir ao trabalho de condução, eliminando o uso do Uber nas idas ao trabalho”, exemplifica Camilla.

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Outro exemplo de rotina que pode ser facilmente modificada, segundo a economista, é a adoção de um planejamento para a elaboração das refeições adequado ao dia a dia, visando minimizar os pedidos de delivery. “Vale estabelecer um dia específico da semana pra pedir comida e nos demais planejar o preparo da refeição. As pessoas precisam entender que as facilidades/atalhos do dia a dia custam caro, custam planos futuros e que se planejar é a melhor solução.”  

E esses gastos, mesmo aparentemente baixos, “se diluem na rotina e não chamam atenção na hora de fazer os cálculos do orçamento mensal, mas têm impacto real nas finanças pessoais”, completa a planejadora financeira CFP®️ Luciana Ikedo.

PEQUENOS VALORES, GRANDE PESO

Mas por que é tão difícil perceber que esses gastos se acumulam? De acordo com Camilla, há vários fatores comportamentais que explicam essa armadilha. Um deles é a “contabilidade mental”, conceito criado pelo economista e Prêmio Nobel, Richard Thaler: “As pessoas criam compartimentos mentais para o dinheiro — pensam ‘é só R$ 10’ ou ‘é só hoje’, sem enxergar o todo”.

Ela também cita o viés do custo pequeno, que leva à subestimação de microtransações, e o efeito da dor do pagamento — o fato de que pagar com cartão ou débito automático é psicologicamente menos doloroso do que usar dinheiro físico. “Isso faz com que o gasto não gere alerta mental de perda”, explica Camilla.

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Luciana acrescenta que, além dos vieses financeiros, há também um componente emocional. “Muitas vezes as pessoas compram para aliviar o estresse, celebrar pequenas conquistas ou preencher um vazio momentâneo. A facilidade do pagamento digital só reforça essa desconexão entre gastar e perceber o valor que sai da conta”, diz.

R$ 10 POR DIA PODEM VIRAR...

As duas especialistas afirmam que eliminar ou reduzir esses custos pode fazer uma grande diferença no longo prazo. Camilla exemplifica com algumas simulações:

  • Ao reduzir R$ 100 de gastos invisíveis por mês, ao longo de 1 ano seriam economizados R$ 1.200. Se esse valor fosse aplicado em um CDB ou fundo DI rendendo 100% do CDI atual, de 14,9%, e o fundo com taxa de administração de 0%, em 12 meses o indivíduo teria R$ 1.265,91, ou seja, um ganho líquido de R$ 65,91;
  • Em 2 anos seriam economizados R$ 2.400 e, se investidos com os mesmos parâmetros, o valor acumulado chegaria a R$ 2.697,92, ou seja, um ganho líquido de R$ 297,92;
  • Perceba que com o prazo maior a proporção do ganho também aumenta. Esse efeito no longo prazo gera ganhos exponenciais. É a famosa bola de neve dos juros compostos. Não podemos subestimar e negligenciar esse efeito;
  • Em 5 anos, com CDI médio de 10% ao ano, seriam economizados R$ 6 mil que se aplicados acumulariam R$ 7.407,70, um ganho líquido nominal de R$ 1.407,70. Se consideramos inflação de 4,21% ao ano, o ganho real seria de R$ 755,77; e
  • Ao reduzir R$ 300 de gastos invisíveis por mês (R$ 10 por dia, sabe aquele cafezinho no meio da tarde, todo santo dia?!), ao longo de 1 ano seriam economizados R$ 3.600. Se esses mesmos R$ 300 fossem aplicados em um CDB ou fundo DI rendendo 100% do CDI atual, de 14,9% e o fundo com taxa de administração de 0%, em 12 meses o indivíduo teria R$ 3.797,74, ou seja, um ganho líquido de R$ 197,74. Em 2 anos seriam R$ 7.200 economizados e se investidos com os mesmos parâmetros, o valor acumulado seria R$ 8.093,76, ou seja, um ganho líquido de R$ 893,76.

“O exercício que as pessoas precisam fazer é exatamente esse, de anualizar suas pequenas despesas e pensar na possibilidade de redirecioná-las para objetivos maiores. Imagina juntar esses R$ 8 mil e fazer uma viagem por ano? Que tal? O que você prefere, manter o cafezinho todo dia ou eliminá-lo e viajar uma vez por ano?”, indaga Camilla.

Luciana também faz simulações:

  • Quem economiza R$ 10 por dia (o equivalente a R$ 300 por mês) cortando desperdícios e direcionando esse valor para uma aplicação simples, como o Tesouro Selic, em 10 anos, com juros compostos, esse valor pode ultrapassar R$ 60 mil;
  • Considerando uma economia de R$ 10 por dia (o equivalente a R$ 3.650 por ano) e um rendimento de 15% ao ano, uma pessoa poderia acumular cerca de R$ 3.928 em um ano, R$ 8.433 em dois anos e R$ 13.615 em três anos.

“Essa simulação mostra que pequenas mudanças de comportamento, quando somadas à constância, têm o poder de transformar o futuro financeiro e gerar segurança em médio prazo. Ou seja, o que parecia apenas um café por dia se transforma em uma reserva sólida. O poder do tempo é o maior aliado de quem aprende a enxergar onde o dinheiro escapa”, diz ela.

DÁ PARA VIAJAR OU TURBINAR RESERVA DE EMERGÊNCIA

Essas simulações mostram que o dinheiro desperdiçado em pequenas compras pode virar uma reserva de emergência, uma viagem anual ou até o início de um investimento de longo prazo. “O exercício que as pessoas precisam fazer é anualizar suas pequenas despesas e pensar na possibilidade de redirecioná-las para objetivos maiores”, sugere Camilla.

Luciana concorda: “quando o consumo é guiado por objetivos claros, como quitar uma dívida, viajar ou investir em um curso, o impulso de gastar perde força. É um processo comportamental, mais do que financeiro”.

REVISAR EXTRATOS E FATURAS PODEM AJUDAR

O primeiro passo é trazer os gastos invisíveis à luz. Luciana recomenda um exercício simples: revisar extratos e faturas dos últimos três meses. “É um exercício revelador. Quando a pessoa vê o dinheiro saindo em pequenas quantias, o cérebro entende melhor o impacto e o controle se tornam mais consciente.”

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Camilla reforça a importância de ficar de olho orçamento de forma permanente “Ter um orçamento doméstico, projetar os gastos anualizados e acompanhar mês a mês é o melhor método para entender pra onde o dinheiro está indo.”

COMO MANTER O CONTROLE E NÃO CAIR NA TENTAÇÃO

Depois de cortar, o desafio é não voltar aos velhos hábitos. Confira as dicas das especialistas:

  • Usar o cartão de débito em vez do cartão de crédito;
  • Remover os apps de compras compulsivas (como Shopee, IFood, Mercado Livre, Shein e Uber) do celular;
  • Implantar o desafio dos 7 dias: anotar durante 7 dias os gastos abaixo de R$ 30 e no final somá-los;
  • Criar metas de economia; e
  • Automatizar o investimento ou reserva logo após o recebimento da renda.

SOBRE A AUTORA

Márcia Rodrigues é jornalista especializada em economia e empreendedorismo. Vegetariana e apaixonada pela defesa de causas sociais, am... saiba mais