Tênis que mistura e-bike e exoesqueleto, casaco inflável: a Nike ainda sabe ser ousada?
Com produtos que misturam tecnologia, design radical e propósito, a marca tenta reconquistar sua identidade criativa e provar que ainda sabe inovar

Não existe história mais fantástica no mundo dos negócios. O CEO da Nike, Elliott Hill, começou como estagiário. Trabalhou em praticamente todas as funções imagináveis na empresa. Saiu em 2020, pouco depois da chegada de John Donahoe, vindo da Bain, como CEO. E então, já aposentado e membro fundador de uma liga de beisebol para veteranos em Austin, o símbolo da Nike ressurgiu das cinzas e Hill voltou para Beaverton.
O IMPACTO CAUSADO POR TRUMP
Agora, após um ano no comando, Hill ainda lida com a ressaca da Nike causada pela COVID-19, provocada (pelo menos em parte) por Donahoe, que impulsionou os lucros vendendo ondas de tênis retrô para pessoas em casa, enquanto reorganizava a estrutura da equipe de inovação que havia tornado a Nike um sucesso por décadas.
Quando Hill chegou em 2024, a receita da Nike havia caído 10% em relação ao ano anterior. Este ano, a queda é de 9,8%, e as tarifas de Trump reduziram os lucros líquidos da Nike em US$ 1,5 bilhão.
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“Um bilhão e meio (de dólares)”, dispara Hill, no seu escritório elegante no topo do Centro de Inovação LeBron James da Nike em Beaverton, estado americano do Oregon.
Após um ano de isolamento da mídia por parte de Hill, um pequeno grupo de jornalistas internacionais foi convidado para dar uma olhada no que Hill está planejando. As novas linhas de produtos da marca se mostram genuinamente mais empolgantes do que qualquer coisa que a empresa tenha lançado nos últimos anos.
A empresa está, de forma bastante intencional, construindo sua própria narrativa de recuperação. A Nike tem algo a provar para fãs e acionistas — ou seja, que ainda consegue inovar. E está apresentando argumentos convincentes para isso.
Do Project Amplify, um exoesqueleto em um tênis, ao Nike Mind, um calçado que monitora a atividade cerebral, passando por uma nova jaqueta inflável chamada Project Milano, até os tecidos reciclados conhecidos como Aero-FIT, duas vezes mais respiráveis, cada grande novidade da Nike parece mais promissora do que mais uma cor do Dunk.
A NIKE É UMA EMPRESA DE BEM-ESTAR
Uma das melhores decisões de Hill foi promover Matt Nurse a diretor científico da Nike. Trata-se de um pesquisador que dirige o principal centro de testes de atletas da empresa, o Nike Sports Research Lab.
Nurse sempre viu a companhia como algo mais do que tênis. E isso é importante para a marca. Os tênis estão cada vez mais banalizados. Até mesmo os tênis Vaporfly da Nike, feitos para maratonas, foram rapidamente copiados por toda a indústria calçadista.
O diretor científico precisa lidar com uma narrativa um tanto complexa que permeia a Nike. Eles se inspiram nos atletas de elite, e seus diálogos com esses super-humanos são íntimos e contínuos.
OS TÊNIS AGORA SÃO NEUROFISIOLÓGICOS
Um dos projetos prediletos de Nurse é o lançamento do Nike Mind, dois novos tênis neurofisiológicos que interagem com os pés para acalmar o cérebro de forma mensurável. O Nike Mind é comparável ao momento "Brain Age" da Nintendo, quando, com um único aplicativo, expandiu sua proposta e mercado-alvo de jogadores para qualquer pessoa preocupada com o envelhecimento.
Tudo começa com esses tênis que essencialmente forçam a atenção plena, conectando pontos de pressão nos pés às texturas do chão. Um total de 22 nódulos de espuma se projetam da sola, angulando e reverberando formas e sensações diretamente no pé. Eles são divertidos de usar. Você consegue sentir a grama, mesmo através das meias.
O novo modelo aumenta as ondas alfa no cérebro, assim como a meditação, embora Nurse admita que ainda não chegam ao ponto de serem considerados um "tênis de meditação".
NEUROCIÊNCIA COGNITIVA E A VANGUARDA DO DESIGN
A neurociência cognitiva e a forma como produtos e espaços nos afetam de maneira mensurável representam a vanguarda do design atualmente. Duas décadas de pesquisa acadêmica mundial clamam por serem comercializadas. E esses tênis Mind são apenas uma amostra do que isso pode se tornar, à medida que a Nike explora ao máximo a neurociência do resto do corpo.
"Você pode imaginar para onde estamos indo", diz Nurse. "Começamos a pensar em explorar nossos sistemas sensoriais. O pé é uma área… temos o corpo inteiro… toda essa tela." Ele destaca que temos diversos estados emocionais que podemos querer ativar, além da calma.
UM EXOESQUELETO ACOPLADO AO TÊNIS
Outra área em que a Nike está pensando além do esporte é o seu exoesqueleto Project Amplify — um tendão de Aquiles robótico que se encaixa na parte de trás do tênis.
A neurociência cognitiva e a forma como produtos e espaços nos afetam de maneira mensurável representam a vanguarda do design atualmente.
O Project Amplify não foi desenvolvido para LeBron James. O Vaporfly revolucionou as maratonas com um retorno de energia de 4%. O Project Amplify oferecerá algo em torno de 20% de aumento de energia quando for lançado em meados do próximo ano.
No lançamento, a Nike imagina um mercado semelhante ao de pessoas que compraram bicicletas elétricas — atletas que querem se aventurar mais longe e mais rápido. Mas, essa amplificação de energia oferece uma nova oportunidade para a Nike mudar a narrativa, deixando de ser apenas mais rápida e passando a ser mais acessível. Trata-se de algo que terá grande impacto, principalmente na população idosa.
UMA TECNOLOGIA DEMOCRATIZADA?
A Nike tem o potencial de ser a primeira e mais agressiva a democratizar o exoesqueleto como um calçado sem cadarço, ou uma “bicicleta elétrica para os seus pés”, como a empresa está posicionando. Se tudo o que o Amplify fizer for ajudar você a caminhar ou correr mais alguns quilômetros, será um fracasso. Esta é uma ferramenta de treinamento. Uma ferramenta de reabilitação, uma maneira de manter os baby boomers (e todas as gerações que vierem depois deles) caminhando de forma consistente e saudável ao longo de suas vidas, não necessariamente para enterrar a bola, mas para comprar mantimentos.
“Talvez você só precise se locomover pela cidade”, pondera o executivo. “Nós te ajudamos. Está tudo bem. Você ainda está se movimentando. Vamos te ajudar.”
O Apple Watch agora é um negócio de US$ 17 bilhões para a Apple e tudo o que ele faz é exibir mensagens de texto e monitorar algumas métricas de saúde. A Apple encontrou uma maneira de atrair atletas e pessoas preocupadas com quedas. A Nike precisa dominar esse mesmo equilíbrio para crescer.
Em termos simples: a indústria global de calçados vale cerca de US$ 150 bilhões. A indústria global de bem-estar vale US$ 6,3 trilhões. A resposta para a receita de Hill está em todos os lugares fora das pistas, quadras ou campos.
A NIKE ACG FICA AINDA MAIS SOFISTICADA
Para expandir seus negócios, uma das coisas que a Nike quer fazer é ampliar suas marcas — e Hill disse que está até aberto a adquirir as empresas certas para isso. Mas todo o setor de artigos esportivos técnicos e inspirados em trilhas, que vai da The North Face à Arc’Teryx, é uma das categorias de crescimento mais rápido da companhia no segmento esportivo, valendo cerca de US$ 130 bilhões por ano, segundo estimativas da empresa. E por acaso, a Nike tem uma marca muito respeitada, um pouco underground (para os padrões da Nike), chamada ACG, que atua nesse segmento.
A ACG lança alguns dos produtos mais experimentais e hypados a cada ano. E a Nike está prestes a colocá-la em destaque no pódio das Olimpíadas de Inverno de Milão.
A nova jaqueta Air Milano reinterpreta o Nike Air como uma jaqueta de inverno inflável e sofisticada. Seu acolchoamento computacional captura a luz de uma forma cativante. Você jamais imaginaria que aquele padrão é, na verdade, uma abstração do logo da ACG. E um inflador manual enche a jaqueta em cerca de 10 segundos, criando isolamento térmico sob demanda.
Ela também transmite uma sensação de alta qualidade. A Nike pretende relançar a ACG neste momento, tornando a submarca a "expressão máxima" para um atleta, com o "ressurgimento da ACG de uma nova forma premium", segundo Janett Nichol, veterana da Nike com 32 anos de casa, é vice-presidente de Inovação em Vestuário e Estúdio de Criação Digital Avançada.
"[É a] peça de roupa mais técnica que já fizemos que não vai para o espaço", diz a executiva. Em outras palavras, será cara.
Considere: isso provavelmente significa que a Nike está vendendo ar por mais do que plumas. É uma possibilidade um tanto inusitada. As margens de lucro finais provavelmente são atraentes em um balanço patrimonial. Mas se a Nike mantiver um posicionamento muito premium com essa tecnologia, ela será superada por marcas como Skechers ou Shein antes de conseguir dominar o mercado.
A NIKE ENTRA EM UM MOMENTO EMPOLGANTE
A Nike lucrou bilhões com suas propriedades intelectuais clássicas, remixadas com novas cores e sensibilidades de design. Mas é difícil enxergar a enorme escala da cultura de colaborações moderna como algo além de capitalismo em estágio avançado.
Os designers lamentam a sede de notícias sobre produtos e redes sociais. E, sob essa perspectiva, os dias da Nike vendendo espumas sofisticadas parecem estar contados. Mas, deixando de lado algumas notícias ruins, tente citar uma empresa mais empolgante do que a Nike agora em termos de potencial.
Considere que a Nike é uma empresa de experiência do usuário que não desenvolve softwares e uma empresa de tecnologia que não mexe com celulares. Ela cria produtos para o corpo humano — coisas que nos fazem mover mais rápido, com mais conforto e mais prazer.
Exoesqueletos e roupas que ativam o cérebro abrem a possibilidade de remodelar o dia a dia. Parece que a Nike esteja reconhecendo que seu potencial é muito maior do que o esteriotipado como calçados e vestuário — aquele filtro marrom Argo dos anos 70 embaçando o swoosh.
O novo slogan da Nike, criado por seu vice-presidente executivo e diretor de inovação, design e produto, Phil McCartney, é "Crie coisas épicas". A missão é realmente tão difícil e tão simples ao mesmo tempo.
ELLIOTT HILL PARECE SER O CARA CERTO PARA O MOMENTO
O trabalho de Elliott Hill é fazer a Nike crescer novamente. Mas, como Hill disse, “nem todos os 1% de receita são iguais”. E alcançar um crescimento de apenas 1% para a Nike, o que equivale a US$ 500 milhões. Aliás, significa que ela precisa lançar o equivalente a uma nova empresa a cada ano.
Será que a onda de inovações da Nike ajudará a alcançar esse crescimento de receita? Sobre isso, ele hesita um pouco. A solução mais fácil ainda é simplesmente espalhar a mensagem da Nike pelo mundo todo.
“O esporte existe em todos os países, e estamos presentes em quase 190 países. E… não estamos atingindo nosso potencial máximo em alguns desses países”, diz Hill, citando o Sudeste Asiático e a Malásia em particular. “Temos uma enorme oportunidade de crescimento ainda maior, quando colocarmos nosso ataque em prática.”
Hill tem trabalhado para reconstruir os relacionamentos com os varejistas. Ele relançou o marketing sob o lema "Just Do It". E também reestruturou todo o mecanismo de inovação da empresa, retornando-o à sua estrutura original. Donahoe desmantelou cerca de 40 anos de hierarquias na Nike quando reorganizou todo o desenvolvimento de produtos em categorias como Masculino, Feminino e Infantil. Hill reintegrou essas equipes a esportes como corrida e basquete.