Neste livro, a história da tipografia salta das páginas – literalmente
A artista gráfica Kelli Anderson transforma a evolução das fontes em espetáculo de papel e luz

Você já se perguntou como a letra “A” ganhou a forma que tem? Ou por que algumas fontes automaticamente parecem “psicodélicas”? Ou de onde veio, afinal, a palavra “texto”?
Kelli Anderson, artista gráfica, autora e mestre em tudo o que envolve papel, já fez todas essas perguntas – e está respondendo cada uma delas em seu novo livro pop-up "Alphabet in Motion" ("Alfabeto em movimento", em tradução livre).
A obra leva o leitor por uma jornada interativa sobre a história da tipografia de A a Z, começando no Egito Antigo e chegando até a era digital.
Mas não se trata de uma obra histórica comum. Anderson criou à mão 17 mecanismos pop-up diferentes – de projeções de luz a sliders coloridos e ilusões surpreendentes – que mostram como a humanidade desenvolveu, com muito esforço, as tecnologias tipográficas ao longo do tempo.

Seu último livro pop-up, "This Book is a Camera" (Este livro é uma câmera", em tradução livre), foi lançado em 2015. Desde então, ela vinha sonhando com um novo conceito. A ideia só ganhou vida em 2019, quando começou a pesquisar a história da tipografia e o ofício por trás dela – e tudo fez sentido.

“Vivemos em uma realidade tipográfica na qual as letras nos fazem sentir coisas. Oferecer algum tipo de explicação satisfatória ajuda a dar mais significado ao porquê sentimos isso”, diz Anderson.
“Quando você vê aquelas letras psicodélicas e arredondadas, por que isso te lembra os anos 1960, Andy Warhol e a cultura underground? Quando você vê letras com aquele estilo mod, por que isso remete à era da corrida espacial?”

A artista mergulhou em coleções históricas de tipos na St. Bride Foundation, em Londres, além de livros e artigos acadêmicos. Aos poucos, construiu uma parede inteira (presa com fita crepe) repleta de exemplos que descobria.
Ao mesmo tempo, passou milhares de horas experimentando mecanismos pop-up em papel para demonstrar cada conceito. “Havia mecanismos que eu pensava: ‘isso é incrível! Preciso incluir só pelo espetáculo’”, conta Anderson.

“Mas então eu precisava encontrar um lugar onde aquilo fizesse sentido, onde realmente ajudasse a explicar uma ideia. Porque eu não queria colocar qualquer coisa apenas por diversão. Queria que, quando lessem o texto, as pessoas entendessem: ‘ah, isso demonstra uma tecnologia tipográfica específica desta época.’”
COMO AS FONTES PSICODÉLICAS GANHARAM FORMA
Um dos períodos que mais fascinaram Anderson foi o início dos anos 1960, explorado com profundidade no capítulo dedicado à letra “J”.
Ela queria entender por que a tipografia daquele período produziu tantas letras arredondadas, volumosas e até com formatos em chamas. Na pesquisa, descobriu que esses ícones estilísticos surgiram graças a uma nova tecnologia chamada fotocomposição.

A fotocomposição permitia que designers projetassem luz através de filmes e a organizassem em papel fotográfico, como em um layout de revista. O avanço tornou o processo muito mais rápido, barato e simples, substituindo métodos anteriores que envolviam… chumbo derretido.
No livro, o leitor pode vivenciar um pouco desse processo. Na página dedicada à letra “J”, um recorte de papel se transforma em um projetor para o iPhone: basta acender a lanterna e criar seu show tipográfico ao estilo dos anos 1960.

Essa é apenas uma das maneiras como o livro usa experiências táteis para contextualizar inovações tipográficas.
Entre outras páginas, há um modelo 3D que explica o surgimento de maiúsculas e minúsculas no Império Romano e na Idade Média; um mini pop-up sobre as primeiras fontes bitmap de videogames; e uma página interativa que mostra como a prática antiga da tecelagem moldou o alfabeto moderno e deu origem ao próprio termo “texto”.

Para Anderson, o grande objetivo deste projeto de seis anos é apresentar o mundo do design tipográfico a uma nova geração. “Espero que algumas pessoas comprem o livro para seus filhos pequenos, pensando que é apenas um livro pop-up do alfabeto, e o apreciem nesse nível”, diz Anderson.
“Depois, que o coloquem de volta na prateleira e, daqui a 12 anos, seus filhos o abram novamente e percebam que o design e a tipografia são interessantes, que não são algo isolado mas se conectam com o mundo e a cultura em geral”