Brasil é maior potência de soft power do mundo. Por que não nos vemos assim?
Do samba ao funk, do forró ao candomblé, do carnaval à capoeira, nossa cultura é tecnologia social que o mundo inteiro quer entender e sentir

Uns anos atrás, eu trabalhava muito no continente africano. Uma vez, na fronteira de um país cujo presidente flertava com a ditadura, fui impedido de entrar pois juravam que eu era um repórter. Depois de idas e vindas, finalmente descobriram que eu era brasileiro.
Aí tudo mudou: de ser proibido de entrar para ser escoltado pela polícia local até o hotel, só porque eu podia ser da família do Ronaldo Fenômeno e o oficial da fronteira amava nossa música, principalmente Jorge Ben.
Ali aconteceu um estalo que levo comigo até hoje: nós somos a maior potência de soft power do mundo. Só falta a gente entender o tamanho disso.
Após a Primeira Guerra Mundial, mas principalmente durante a Segunda, os Estados Unidos entenderam que Hollywood não era só entretenimento. Era a maneira de vender o american dream para o mundo todo. Coca-Cola, carros grandes, subúrbios brancos – tudo isso virou desejo global porque aparecia nos filmes.
Aí veio o dinheiro de verdade, os investimentos, a economia crescendo em cima dessa imagem que eles construíram. O american way of life virou desejo mundial – e onde tem desejo, tem poder.
A Coreia do Sul fez algo parecido, mas de forma ainda mais intencional. Nos anos 1990, depois de uma crise econômica brutal, o governo decidiu investir pesado em cultura como estratégia nacional. Criaram agências, fundos, políticas públicas.
Hoje, K-pop e K-dramas movimentam bilhões e colocaram a Coreia no mapa de um jeito que nenhum tanque faria. Samsung e Hyundai vendem mais porque BTS existe.
Para se ter uma ideia, em 2019, a indústria cultural coreana exportou mais do que eletrodomésticos e baterias recarregáveis. Só o BTS hoje representa 0,3% do PIB do país e traz quase um milhão de turistas por ano para visitar a terra dos seus artistas favoritos.
Soft power não é papo hippie. É estratégia econômica real.

E o Brasil? A gente tem o produto mais cobiçado do mundo e nem cobra direito por ele.
Do samba ao funk, do forró ao candomblé, do carnaval à capoeira, nossa cultura não é só entretenimento. É tecnologia social que o mundo inteiro quer entender e sentir.
A maioria dos gringos que vem para cá sai daqui apaixonada. Saem falando da nossa capacidade de criar alegria do nada, de fazer comunidade em qualquer esquina, de transformar dor em dança.
Soft power gera hard money. Gera empregos, empresas, oportunidades reais.
Mas, enquanto isso vira ativo estratégico lá fora, aqui dentro a gente trata cultura como coisa de fim de semana.
É bizarro ver a Anitta dominar o mundo com funk carioca enquanto aqui tem gente querendo proibir baile. É surreal ver o forró invadir as pistas da Europa enquanto a gente trata nossos sanfoneiros como entretenimento de segunda. A capoeira é patrimônio da humanidade, mas cadê o investimento real em mestres e rodas?
O problema é que a gente não liga os pontos. Não vê que essa nossa capacidade de criar conexão, comunidade e beleza é exatamente o que o mundo precisa agora – e está disposto a pagar caro por isso.

Um estudo recente da Oxford Economics encomendado pela Motion Picture Association (entidade que representa os cinco maiores estúdios de cinema de Hollywood) revelou que o setor audiovisual brasileiro gerou R$ 70,2 bilhões para o PIB em 2024, equivalente a 0,6% da economia nacional, e sustentou mais de 608 mil empregos.
São mais empregos do que o setor automotivo, para se ter ideia. Para cada R$ 10 milhões gerados diretamente pelo audiovisual, outros R$ 12 milhões foram movimentados em diferentes cadeias produtivas, com um multiplicador de 2,2 no PIB.
Se a gente já tem esses números com o audiovisual, imagina se a gente fizesse o que a Coreia fez? Se criássemos fundos para produtores de funk, escolas de samba, mestres de capoeira, terreiros de candomblé, não como assistencialismo cultural, mas como investimento estratégico em nossa maior vantagem competitiva?

Soft power gera hard money. Gera empregos, empresas, oportunidades reais. Mas primeiro a gente precisa parar de olhar para o espelho com os olhos dos outros e começar a se ver pelo que realmente somos: a maior potência de soft power do planeta. A galera que todo mundo quer imitar, mas que ainda pede licença para ser gigante.
Porque aqui está a magia: quando você consegue imaginar, fica muito mais fácil de executar. E a nossa cultura é justamente isso, uma máquina gigante de fazer a gente imaginar outros jeitos de viver, de estar junto, de existir no mundo. Com mais comunidade e mais afeto.
Está na hora de esses nossos presentes inspirarem nossos futuros. E nada melhor que um filme massa ou rebolar com um batidão para fazer isso acontecer.
