Innovation Festival 2025: estamos terceirizando as nossas relações para a IA?

Abertura da quarta edição do festival mostra que brasileiros usam IA para compartilhar mensagens íntimas e afetivas. E o que isso significa para a sociedade?

Innovation Festival 2025
Crédito: santypan/ sankai/ Getty Images

Eliane Pereira 5 minutos de leitura

A abertura da quarta edição do Innovation Festival Brasil começou com uma pergunta que pairou no ar antes mesmo de ser formulada: o que acontece quando a inteligência artificial deixa de ser ferramenta e passa a ocupar o lugar da intimidade?

No palco, as cofundadoras da Talk Inc., Carla Mayumi e Tina Brand, apresentaram um olhar sobre o estudo “IA na vida real“, revelando o que chamaram de um “deslocamento silencioso” do uso da tecnologia no Brasil.

O levantamento combina etnografia digital, análise de cultura e entrevistas com mais de 1,2 mil brasileiros. Os números resumem a mudança: 89% usam IA e 58% já recorrem a ela para conversas afetivas, conselhos e desabafos. A curva de crescimento é rápida: em um ano, esse uso triplicou.

Carla Mayumi e Tina Brand,da Talk Inc.
Carla Mayumi e Tina Brand,da Talk Inc. (Crédito: Fast Company Brasil)

O estudo mostra que esse uso emocional não aparece nas margens, mas no centro da experiência das pessoas. Comunidades como My Boyfriend is AI (no Reddit) saltaram de poucas dezenas para 73 mil membros em menos de um ano.

Usuários relatam vínculos profundos com avatares; de fato, 8% dos brasileiros enviam mensagens sexuais para IAs, e 28% acreditam que casamentos com IA serão possíveis em breve.

O estudo indica ainda que, enquanto a intimidade sintética cresce, as preocupações dos usuários diminuem. Menos receio sobre dados, manipulação, privacidade. “Quanto mais usamos, mais confiamos – e menos questionamos”, observou Cristina.

A apresentação da Talk Inc. não foi construída como alerta alarmista, mas como a descrição de um fenômeno já em curso. O estudo evidencia um país que terceiriza parte de suas relações para sistemas artificiais enquanto se afasta das discussões sobre limite, transparência e responsabilidade.

ÉTICA NA GOVERNANÇA DA IA

Se uma coisa ficou muito clara na apresentação da Talk é que a IA já está inserida no tecido social. Um cenário inédito, que levanta uma questão básica: o que é ser humano diante desse ineditismo?

“O inédito não é a máquina, é o que a máquina revela sobre nós”, observou a advogada e estrategista Ana Bavon, no painel “Organizações radicalmente humanas e o poder do bem-estar”. E, diante do inédito, o que faz o ser humano? Ele improvisa. E inova.

Mas a inovação sem governança é um risco. Para Ana, temos que pesar muito bem as decisões que tomamos hoje em relação à tecnologia, pois elas vão moldar o futuro.

“O futuro da inovação depende da capacidade moral que temos de tomar decisões, mas as lideranças que temos hoje são muito ‘flexíveis’ na questão ética. Precisamos de uma ética que decida para além de nossos objetivos pessoais e imediatos”, afirmou.

Para ela, ao tomar decisões precisamos ter em mente as gerações futuras, a justiça social e a governança, pois o futuro depende do que fizermos no presente.

TECNOLOGIA E BEM-ESTAR

Essa mesma tecnologia está no centro da questão da saúde mental, que vem sendo afetada, em nível global, pelo excesso de uso de redes sociais, pela manipulação de ferramentas de IA e pela busca incessante de mais produtividade, entre outros fatores.

“Vivemos em uma sociedade que nunca para. Se é verdade que não existe ‘zero estresse’, também é verdade que o estresse constante vai acabar nos deixando doentes. Se o estresse é inevitável, precisamos aprender como lidar com ele”, apontou Renata Rivetti, fundadora da Reconnect Happines at Work, que trabalha a questão da felicidade e do bem-estar no trabalho.

Em um cenário no qual até a felicidade começa a ser classificada como um indicador de produtividade, Renata defende que é preciso repensar as relações entre pessoas, empresas e trabalho.

“A mudança tem que ser estrutural; não adianta oferecer aula de yoga no trabalho se a pessoa tem que lidar todo dia com um chefe tóxico”, analisou. Para ela, organizações radicalmente humanas são as que colocam as pessoas no centro na hora da tomada de decisões.

FUTUROS POSSÍVEIS

Até pouco tempo atrás, as empresas tinham um plano A – e só. Se as coisas dessem errado, a organização “congelava”, como aconteceu na pandemia. De lá para cá, muitas começaram a formular planos alternativos, baseadas em possíveis cenários futuros.

“Se entendermos quais são as possibilidades do que pode acontecer no futuro, conseguimos formular um plano B, plano C, plano D. Se uma delas acontecer, já estaremos preparados”, explicou Daniela Klaiman, da Future Future.

apresentação de Daniela  Klaiman no Innovation Festival Brasil 2025
Daniela Klaiman (Crédito: Fast Company Brasil)

A futurista listou cinco macroforças globais que vão impulsionar tendências e mudanças comportamentais nos próximos cinco anos:

Instabilidade financeira – as pessoas estão extremamente inseguras, sem saber se poupam seus recursos ou se saem gastando. Para as empresas, isso influencia a questão da formulação de preços, exigindo acompanhamento contínuo dos mercados.

Mudança climática – teremos eventos climáticos cada vez mais extremos e muitos setores econômicos serão bastante afetados (por exemplo, commodities agrícolas). Esses mercados vão existir no futuro?

Guerras descentralizadas – apesar de o Brasil não estar envolvido em nenhum conflito, relações diplomáticas e comerciais podem ser afetadas, dependendo da situação geopolítica. Isso mexe tanto com nosso emocional, mas também com a parte prática de negócios.

Mudança do centro de poder global – ele está se deslocando dos EUA para a China, que vem ganhando espaço tanto em termos de participação de marcas próprias quanto como motor de inovação.

Polarização – as redes socias estão nos isolando em bolhas e, graças à inteligência artificial, estamos perdendo o senso do que é verdade ou não. É um contexto complexo, que gera novas necessidades e, também, oportunidades.    


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