Entre o alívio e a crueldade: o prazer oculto de ver o colega “escorregar”

Por que ambientes competitivos transformam tropeços em espetáculo – e como sair desse ciclo antes que ele deteriore a cultura do time

funcionário em destaque por falha cometida
Crédito: master1305/ Getty Images

Eve Upton-Clark 2 minutos de leitura

O mercado de trabalho atual está mais competitivo e cruel do que nunca, deixando muita gente apreensiva e de olho nos colegas, com medo de tomarem o seu lugar.

Em ambientes assim, a rivalidade costuma tomar conta. Ver aquele colega arrogante levar uma bronca em uma reunião ou perder uma promoção pode ser surpreendentemente satisfatório – mesmo que ninguém admita isso em voz alta.

Muita gente conhece o termo alemão “schadenfreude”, que resume o sentimento de prazer diante da desgraça alheia. Mas uma nova expressão mais ligada ao ambiente de trabalho vem ganhando força: “fail watching” (algo como “assistir ao fracasso”) – um jeito de lidar com a pressão do mercado e se sentir um pouco melhor com a própria situação.

Pesquisas mostram que ver outras pessoas falharem pode, sim, fazer bem para a autoestima. Pessoas inseguras tendem a se sentir mais ameaçadas por colegas que se destacam e a achar mais gratificante vê-los “levar uma escorregada”. Isso faz parte da natureza humana.

Mas há vários níveis de reação: desde uma satisfação passageira até atitudes mais sérias, como comemorar em público e até bullying no ambiente de trabalho. 

“Esse fenômeno é um sinal de que falta confiança dentro da equipe, com colegas praticamente esperando o próximo erro de alguém”, diz Peter Duris, CEO da Kickresume, ferramenta que cria currículos online. “Você dificilmente verá isso em um ambiente saudável, onde todos se sentem apoiados.”

O fail watching tende a ser mais comum em empresas que não reconhecem nem valorizam as contribuições dos funcionários. Segundo uma pesquisa da Gallup de 2025, apenas 30% dos trabalhadores nos EUA sentem que alguém no trabalho incentiva seu desenvolvimento – número que já foi 36% em março de 2020.

Duris também associa esse comportamento a profissionais da geração Z, que enfrentam uma pressão enorme para entrar e se manter no mercado. “Muitos precisaram batalhar muito para conseguir seu primeiro emprego”, afirma. 

bullying no ambiente de trabalho
Crédito: Anton Vierietin/ Getty Images

A disputa está, de fato, acirrada: de acordo com o “Business Insider”, hoje quem envia um currículo tem apenas 0,4% de chance de ser contratado. Os recém-formados são os mais afetados – dados do Fórum Econômico Mundial mostram que o número de vagas de entrada caiu 29% desde janeiro de 2024.

E a competição não termina depois da contratação. Pesquisadores da Universidade de Zurique, na Suíça, apontam que ambientes altamente competitivos criam as condições perfeitas para o surgimento e fortalecimento do schadenfreude.

Pesquisas mostram que ver outras pessoas falharem pode, sim, fazer bem para a autoestima.

É compreensível sentir um certo alívio ao ver alguém passando pelas mesmas dificuldades que você. Mas isso está muito longe de realmente torcer contra alguém.

Se você perceber que um colega está com dificuldades, o ideal é oferecer ajuda, se puder, ou simplesmente ser gentil e acolhedor. Se alguém tentar puxar uma conversa maldosa sobre o erro recente de outra pessoa, mude de assunto – ou, no mínimo, deixe esse tipo de assunto para depois do expediente.

Como diz o velho ditado: se você não tem nada de bom para dizer, é melhor não dizer nada.


SOBRE A AUTORA

Eve Upton-Clark é jornalista especializada em cultura digital e sociedade. saiba mais