Humildade intelectual é a nova moeda do poder

O novo líder não é aquele que está sempre certo. É aquele que está disposto a estar menos errado a cada dia

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Créditos: Olena Koliesnik/ Anton Vierietin/ Getty Images

Carol Romano 4 minutos de leitura

Na última edição do Mind Summit, a participação do psicólogo organizacional Adam Grant foi especialmente estimulante e focada na desconstrução dos modelos tradicionais de liderança em tempos de incerteza radical. Foi um alerta elegante de que o futuro não recompensará quem insiste em estar certo, mas sim quem estiver disposto a desmontar as próprias certezas.

Por décadas, líderes foram treinados para defender suas opiniões como verdades absolutas. Na lógica hierárquica, poder era sinônimo de saber mais. Só que esse paradigma está ruindo, e rápido. O curioso (e perigoso) é que justamente quem dominou a versão anterior do mundo é quem mais tem dificuldade de reconhecer que o mundo mudou… e que também precisa mudar.

Grant traz uma tese tão simples quanto incômoda: quanto mais inteligente ou experiente um líder, maior o risco de resistir à mudança. A senioridade, que deveria ampliar visão estratégica, muitas vezes cristaliza certezas e produz a chamada “armadilha cognitiva”, quando a experiência vira rigidez.

A psicologia cognitiva reforça: pessoas com maior pontuação em testes de inteligência são as mais propensas a achar que não têm vieses, justamente porque estão acostumadas a estar certas.

E aqui está o ponto que faz salas silenciosas mudarem de temperatura: na era da inteligência artificial, a maior ameaça às organizações não é a falta de ideias, mas a incapacidade de abandonar ideias antigas.

O novo poder de liderança não está em ter respostas definitivas, mas em testar hipóteses, aprender em tempo real e ajustar rotas com agilidade. É o colapso do líder-oráculo e a ascensão do líder-cientista: humilde o suficiente para admitir o erro e ousado o bastante para experimentar o novo.

Quando líderes mostram vulnerabilidade e humildade, a reação é o oposto do que muitos temem. Não são vistos como fracos, mas percebidos como confiantes. Confiantes o bastante para reconhecer o que ainda precisam aprender.

Os dados reforçam essa virada cultural. Segundo a Gallup (2024), 73% dos funcionários têm medo de discordar do chefe ou expor erros por receio de repercussões na carreira. Em contrapartida, organizações que normalizam equívocos como parte do processo têm 30% mais engajamento e três vezes mais velocidade de inovação.

Liderar, hoje, não é defender certezas, mas criar o melhor ambiente possível para que a verdade apareça.

Ao contrário do líder que precisa provar que está certo, o líder-cientista opera com uma bússola diferente: cada estratégia é apenas uma hipótese. Cada decisão é apenas um experimento.

Essa mentalidade traz impacto direto no resultado. Um estudo com empreendedores mostrou que fundadores que adotaram pensamento científico faturaram mais de 40 vezes em relação ao grupo de controle em um ano, simplesmente porque foram duas vezes mais rápidos em abandonar ideias ruins.

Segundo a "MIT Management Review", empresas que pivotam estratégias com base em evidências têm 70% mais probabilidade de liderar seus setores nos próximos cinco anos.

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Crédito: rudall30/ Getty Images

Grandes líderes já entenderam isso. Jeff Bezos, por exemplo, usa um modelo simples e poderoso para equilibrar profundidade e agilidade. Antes de tomar decisões, ele se pergunta apenas duas coisas:

  • Quão consequente é essa escolha?
  • Ela é reversível ou irreversível?

Bezos afirma que só se move devagar diante de decisões altamente consequentes e irreversíveis. Em todos os outros casos, age rápido e reavalia continuamente.

O Google X leva isso a um extremo produtivo: lá, encerrar um projeto antes que ele consuma recursos demais dá bônus. Matar ideias ruins cedo vira um ato de coragem estratégica. Segundo o Relatório Alphabet, essa prática já economizou mais de US$ 1 bilhão em investimentos mal direcionados.

Para o o líder-cientista, cada estratégia é apenas uma hipótese, cada decisão é apenas um experimento.

Daniel Kahneman, Nobel de Economia, resumiu esse espírito em uma frase que deveria estar na parede de toda sala de liderança: “Não é que eu goste de estar errado. Ninguém gosta. Mas eu gosto de descobrir que estava errado, porque significa que agora estou menos errado do que antes.”

O novo código-fonte da liderança na era da IA é transformar descobertas em vantagem competitiva. Empresas não precisam de mais chefes que sabem. Precisam de líderes que queiram saber mais do que sabem agora.

Liderar, hoje, não é defender certezas, mas criar o melhor ambiente possível para que a verdade apareça, mesmo que ela contrarie você. O novo líder não é aquele que está sempre certo. É aquele que está disposto a estar menos errado a cada dia.


SOBRE A AUTORA

Carol é cofundadora da consultoria de inovação Futuro Co. É estrategista de negócios, especialista em cultura organizacional e futuro ... saiba mais