O poder das comunidades, da diversidade e do soft power brasileiro
Christian Rôças, Ricardo Moreno e M.M. Izidoro falam sobre o uso de comunidades pelas marcas e as oportunidades ignoradas por elas fora do eixo Sul-Sudeste

O que é comunidade? Como construí-las e administrá-las? Como lidar, reconhecer e aproveitar a diversidade demográfica, econômica e cultural em um país com a dimensão e a população do Brasil?
Estas questões deram a tônica da reta final do Innovation Festival 2025, com as participações de Christian Rôças, cofundador e CEO da Flint; Ricardo Moreno, fundador do The Summer Hunter; e do roteirista, diretor e estrategista criativo M.M. Izidoro.
Ao abordar a questão de como as marcas lidam com comunidades e influenciadores, Rôças e Moreno defenderam que comunidade não é ferramenta de marketing – embora muitas marcas as tratem assim.
Quando uma pessoa produz conteúdo, uma comunidade surge naturalmente a partir das conversas, dos interesses e das trocas. Mas isso não se aplica da mesma forma a produtos comuns: uma marca de azeite ou pasta de dente não deveria tentar “criar uma comunidade” à força.
“Comunidade é um sistema, é uma teia, é um conjunto de memórias coletivas, de sentimentos em comum, de pessoas que não são todas iguais”, explicou Rôças. É um sistema vivo, uma teia formada por memórias coletivas, sentimentos compartilhados e, principalmente, diversidade – pessoas diferentes que se conectam por algo em comum.
“Se a marca tenta impor a narrativa, mais do que não encontrar a comunidade dela, ela vai afastar as pessoas.”
Por isso, não faz sentido tentar reunir pessoas em torno de um creme dental; faz sentido, sim, pensar em grupos que compartilham um comportamento ligado ao produto, como quem gosta de beijar na boca – o que abre possibilidades mais criativas, como uma marca de pasta de dente patrocinar uma festa temática.
A dupla apontou que uma marca só gera vínculo se for realmente interessante e se as pessoas sentirem a sua ausência. Para existir pertencimento, a marca precisa criar memórias coletivas; caso contrário, o consumidor até compra uma vez, mas não volta.
Surge então a pergunta essencial: se a marca sair das redes sociais hoje, alguém vai sentir falta? Isso importa porque comunidade não serve para vender produto; ela serve para criar pertencimento. Quando a marca entra na memória afetiva das pessoas, primeiro ganha o coração – só depois ganha o bolso.

O exemplo da Lego ilustra o uso correto do conceito de comunidade por uma marca: seus novos produtos nascem a partir da comunidade, que participa testando, opinando e cocriando. Assim, a comunidade funciona como laboratório e como fonte de inovação real.
Outro ponto importante é que o conteúdo de uma marca deve nascer da conversa que a comunidade já está tendo. Quando a marca escuta, entende o que combina com seu propósito e entra na conversa de forma orgânica, o relacionamento acontece com naturalidade.
“Um exercício que a gente faz é o seguinte: esse conteúdo funciona, ele inspira, entrega algum serviço ou informa a audiência? Se você tirar a marca, continua fazendo isso?”, instigou Moreno. “Se ela entrar naturalmente, vai engajar e vai encontrar a sua comunidade. Mas, se a marca tenta impor a narrativa, mais do que não encontrar a comunidade dela, ela vai afastar as pessoas”, alertou.
BRASIL DE INFINITAS COMUNIDADES
Comunidades são uma das principais constantes do Brasil, um país múltiplo, diverso e feito de diferenças regionais, sociais e afetivas. Um Brasil que são muitos Brasis e onde tecnologia vai além do digital; inclui processos sociais, culturais e comunitários. Esse foi o Brasil apresentado pelo estrategista criativo M.M. Izidoro no encerramento do Innovation Festival 2025.
A partir de suas viagens por todo o país, ele identificou quatro pilares presentes em todas as culturas que encontrou pelo Brasil afora: fé, festa, família e fofoca (no sentido de forma de comunicação, vínculo e circulação de histórias)

Esses elementos formam uma “tecnologia afetiva” que são a base da capacidade brasileira de adaptação e reinvenção, na análise de Isidoro. “O Brasil é o Vale do Silício, mas é o Vale do Silício da tecnologia afetiva”, afirmou.
O estrategista também chamou a atenção para a riqueza contida na diversidade demográfica, econômica e cultural do povo brasileiro, citando como exemplos grandes eventos regionais, como o Círio de Nazaré, em Belém, e o São João de Caruaru e Campina Grande.
Artistas do Nordeste chegam a faturar R$ 40 milhões a R$ 60 milhões durante as festas juninas. Ritmos como o piseiro movimentam fortunas apesar de pouca visibilidade no Sudeste. Apesar disso, as marcas investem bilhões em eventos de elite e ignoram esses gigantes culturais e econômicos.
“As tecnologias de potência social, de sobrevivência mesmo, estão saindo da América Latina. Se a gente entende o potencial desses novos lugares, dessas novas histórias, desses novos caminhos de inovação, talvez comecemos a dar um primeiro passo. Um primeiro passo de uma nova construção, de um novo lugar”, arrematou.