Políticas do governo Trump ampliam desperdício de alimentos nos EUA
Com destruição de estoques e falta de trabalhadores, toneladas de alimentos são perdidas enquanto a insegurança alimentar explode

O governo dos Estados Unidos causou um enorme desperdício de alimentos durante o segundo mandato do presidente Donald Trump. Políticas como operações migratórias, mudanças tarifárias e cortes temporários e permanentes em programas de assistência alimentar deixaram agricultores sem mão de obra e sem recursos, alimentos apodrecendo em campos e armazéns e milhões de americanos passando fome.
O governo estima que mais de 47 milhões de pessoas não têm comida suficiente para comer — mesmo com os governos federal e estaduais gastando centenas de bilhões de dólares por ano em programas de auxílio.
Apesar disso, quantidades gigantescas de alimentos — em média, nos EUA, até 40% de toda a comida — apodrecem antes de serem consumidas. Essa parcela equivale a 120 bilhões de refeições por ano: mais do que o dobro da quantidade necessária para alimentar essas 47 milhões de pessoas três vezes ao dia durante um ano inteiro.
Esse desperdício colossal gera custos econômicos imensos e torna inúteis a água e os recursos empregados na produção. Além disso, ao apodrecer, a comida desperdiçada emite nos EUA mais de quatro milhões de toneladas métricas de metano — um gás de efeito estufa que retém calor.
Apesar de o governo afirmar que está racionalizando suas operações para torná-las mais eficientes, uma série de políticas federais recentes, na verdade, agravou o desperdício de alimentos.
POLÍTICA MIGRATÓRIA
O fornecimento de alimentos frescos, como frutas, vegetais e laticínios, exige trabalhadores qualificados atuando sob prazos apertados para garantir maturação, frescor e qualidade.
Os esforços ampliados do governo Trump para prender e deportar imigrantes enviaram agentes a centenas de campos agrícolas, frigoríficos, unidades de produção e centros de distribuição de alimentos, prendendo milhares de trabalhadores.
Dezenas de operações não apenas violaram direitos humanos: elas também colocaram em risco o abastecimento nacional de alimentos. Com medo legítimo por suas vidas e liberdade, relatos indicam que, em algumas regiões, 70% das pessoas responsáveis por colher, processar e distribuir alimentos deixaram de comparecer ao trabalho até meados de 2025.
Reportagens jornalísticas identificaram inúmeros casos de colheitas deixadas para apodrecer em campos abandonados. Até o próprio Departamento de Trabalho dos EUA declarou, em outubro de 2025, que operações agressivas em fazendas fazem trabalhadores se esconderem, deixam grandes quantidades de alimentos sem colheita e representam um “risco de escassez alimentar causada por choque de oferta”.
CORTES EM AJUDA EXTERNA
Quando o governo Trump praticamente fechou a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) no início de 2025, a agência tinha 500 toneladas de biscoitos prontos para consumo e de alto teor energético, avaliados em US$ 800 mil, armazenados para distribuição a populações famintas no mundo. Sem pessoal para distribuir os alimentos, eles expiraram enquanto estavam em um armazém em Dubai.
Incinerar os biscoitos fora do prazo custou outros US$ 125 mil, segundo relatos. Outras 70 mil toneladas de ajuda alimentar da USAID também podem ter sido destruídas.
TARIFAS
No fim do século 20, com o avanço do comércio global, agricultores americanos enfrentaram preços agrícolas inferiores aos custos de produção. No entanto, as tarifas do primeiro governo Trump não protegeram pequenas propriedades.
As tarifas impostas no início de 2025 interromperam por meses o comércio de soja dos EUA com a China. Enquanto isso, não havia onde armazenar as montanhas de soja. Um acordo de outubro de 2025 pode retomar parte do comércio, mas a preços mais baixos e em ritmo mais lento, já que a China passa a buscar Brasil e Argentina para suprir sua enorme demanda.
Embora a soja fosse destinada a alimentar a indústria suinícola chinesa, e não humanos, o espectro do desperdício paira tanto sobre a possível deterioração desses grãos quanto sobre a comida para consumo humano que poderia ter sido cultivada em seu lugar.
OUTRAS MEDIDAS AUMENTAM O DESPERDÍCIO
O segundo governo Trump adotou diversas ações supostamente voltadas à eficiência que, na prática, ampliaram o desperdício de alimentos. Demissões em massa de funcionários de segurança alimentar aumentam o risco de novos surtos de doenças transmitidas por alimentos, importações contaminadas e patógenos agrícolas — que podem gerar crises exigindo destruição em massa, como no caso dos quase 35 mil perus abatidos devido à gripe aviária em Utah.
Além disso, o governo cancelou um programa popular que ajudava escolas e bancos de alimentos a comprar alimentos de agricultores locais, embora muitas plantações já estivessem em andamento quando o cancelamento foi anunciado. Esses alimentos precisaram encontrar novos compradores ou enfrentaram risco de desperdício, enquanto os agricultores perderam uma fonte essencial de receita para manter seus negócios.
A paralisação do governo no outono de 2025 deixou o principal programa federal de ajuda alimentar, o SNAP, em limbo por semanas, comprometendo a capacidade das comunidades de atender suas necessidades básicas.
Supermercados, que se beneficiam de forma significativa dos recursos do SNAP, anunciaram descontos para beneficiários como forma de ajudar as famílias e impedir que alimentos estragassem antes de serem vendidos. O Departamento de Agricultura ordenou que não o fizessem, alegando que clientes do SNAP devem pagar os mesmos preços que os demais consumidores.
O desperdício de alimentos não começou com o governo Trump. Mas as políticas de sua administração — apesar do discurso de eficiência — ampliaram perdas volumosas em um momento de crescente necessidade.
A estudante de mestrado da Escola de Serviço Internacional da American University Laurel Levin contribuiu para a redação deste artigo.