Google trabalha para criar óculos que traduz linguagem falada em forma de texto

Crédito:  Ommaphat Chotirat/ GettyImage/ Dmitry Steshenko/ Envato

S.A. Applin 3 minutos de leitura

O Google parece estar trabalhando em um novo par de óculos de realidade aumentada (AR) capaz de exibir traduções em tempo real.

Durante o Google I/O, evento para desenvolvedores, a empresa apresentou um protótipo de óculos AR que traduz a linguagem falada em texto. Apesar de não especificar data para o lançamento e nem mesmo garantir que será colocado no mercado, o fato de mostrá-lo a desenvolvedores é um indicativo de que estão buscando formas de integrar seus famosos produtos a tecnologias de AR.

Se o Google decidir realmente investir nisso, é provável que posicione o produto como um dispositivo para quebrar barreiras linguísticas. Parece incrível, não é mesmo? Chega de buscar frases no Google Tradutor e digitar termos para descobrir o que significam em nossa língua.

Quando (ou se) chegarem ao mercado, poderemos finalmente ler placas em outros idiomas, entender menus de restaurantes e fazer novos amigos com mais facilidade quando viajamos. Sobretudo, seria uma ótima maneira de se comunicar rapidamente em caso de emergência, quando há pessoas que não falam a mesma língua. Além disso, esses “óculos de tradução” também podem abrir portas para a comunidade com deficiência auditiva, dando-lhes uma nova ferramenta para se conectar com o mundo ao redor.

No entanto, da mesma forma que acontece com todas as novas tecnologias, os óculos de tradução do Google podem ter um enorme custo social para a privacidade, bem-estar e para as relações dentro das comunidades. O que acontecerá se o Google se tornar nossa principal forma de comunicação? Estamos confortáveis com isso?

QUESTÃO DE PRIVACIDADE

O problema com qualquer dispositivo de tradução é que ele precisa “ouvir” para obter a informação a ser traduzida. Caso os novos óculos possam ouvir, precisaremos saber o que, quem e, sobretudo, quando estão ouvindo. Até o momento, não sabemos se serão capazes de distinguir mais de uma pessoa falando ao mesmo tempo.

Os problemas de comunicação intercultural não podem ser totalmente resolvidos com a simples tradução de idiomas.

Além disso, precisaremos descobrir se é legal que escutem sem consentimento. Caso necessitem de permissão para gravar o que está sendo dito para então traduzir o conteúdo, quem está falando também precisaria de um par de óculos para traduzir o consentimento?

Não sabemos se, no futuro, os óculos serão capazes de gravar tudo o que traduzem, nem se conseguirão identificar quem estão gravando em um dado momento, ou a que distância poderão ouvir. E também se o conteúdo ficará armazenado em algum lugar que possa ser apagado, ou, ainda, se as pessoas poderão escolher não consentir com a gravação em espaços públicos.

Vamos supor que esses óculos não nos gravem e que o Google consiga descobrir como resolver as questões de consentimento e permissão. Ainda assim, vivemos em um mundo barulhento. Logo, ruídos de comunicação comuns, como mal-entendidos, deturpações etc., também serão frequentes nessa tecnologia. Além de erros de ortografia e confusão com a mistura de idiomas.

Como o The Verge bem apontou, muitas pessoas usam palavras de idiomas diferentes intercaladas em uma mesma fala e nem todos leem da esquerda para a direita, o que também precisará ser considerado.

Agora, some a isso o fato de que muita gente usará os óculos enquanto caminha pelas ruas, questão bem parecida com o que relatei em um artigo com a colaboração da dra. Catherine Flick sobre o Project Aria, os óculos inteligentes da Meta. Muitos dos problemas são os mesmos, mas, com os óculos de tradução do Google, as pessoas terão que ler transcrições e isso exige atenção, o que pode resultar em acidentes.

Uma das principais preocupações é a aparente suposição de que a tecnologia é capaz de resolver problemas culturais e que, caso não consiga, a solução é desenvolver novas tecnologias. Os problemas de comunicação intercultural não podem ser totalmente resolvidos com a simples tradução de idiomas. A tecnologia pode até ajudar, mas não em questões ou normas culturais, como se sentir confortável em ser objetivo ou direto, ou qualquer uma das inúmeras nuances presentes em todas comunidades e grupos. Para isso, precisamos de outros seres humanos.


SOBRE A AUTORA

S.A. Applin é doutora em antropologia e pesquisa algoritmos, IA e automação no contexto de sistemas sociais e sociabilidade. saiba mais