China avança para dominar o próximo grande recurso estratégico: o mar

Plataformas capazes de resistir a explosões nucleares marcam escalada na disputa pelo controle das águas internacionais

plataforma marítima em construção pela China
Créditos: China State Shipbuilding Corporation/ Amsterdam City Archives/ George Dagerotip/ Unsplash

Jesus Diaz 4 minutos de leitura

Monopólio das terras raras. Cadeias produtivas quase impossíveis de superar. Modelos de IA gratuitos que já rivalizam – ou até superam – os norte-americanos. Mais artigos científicos e mais doutores em ciência, tecnologia, engenharia e matemática do que em qualquer outro país.

Se você tem acompanhado esses temas ultimamente, já percebeu que a estratégia de décadas da China para se tornar a maior superpotência global está se concretizando. O que muita gente não nota é outra peça central desse plano: a corrida de Pequim para dominar o recurso mais estratégico do planeta – o oceano.

A ambição marítima chinesa deixou de ser apenas regional e ganhou escala global, impulsionada por uma expansão naval “em velocidade vertiginosa”, comparada à dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Hoje, a China já tem a maior frota militar do mundo em número de embarcações.

Mas a estratégia de Pequim para controlar a região do Indo-Pacífico – e mais – vai muito além de navios de guerra. A China tem recorrido com frequência a táticas de “zona cinzenta”, que misturam pesquisa científica e projeção militar de forma difícil de distinguir.

A estratégia inclui o uso de ativos “civis” com dupla função – de navios oceanográficos a frotas de pesca militarizadas – para mapear rotas estratégicas e afirmar soberania sem disparar um único tiro.

Essa estratégia de “avançar sem atacar” está agora entrando em uma nova fase: megaestruturas pensadas para garantir uma presença permanente em águas disputadas – ilhas flutuantes e bases submarinas.

Pequim afirma que está construindo essas estruturas para a chamada economia azul – a ideia de que o mar é um gigantesco recurso ainda pouco explorado – o que, em parte, é verdade.

A plataforma foi projetada para acomodar 238 pessoas por até quatro meses sem reabastecimento.

Mas elas são projetadas com resistência de nível militar, funcionando, na prática, como bases avançadas que ampliam o alcance chinês muito além de seu litoral, mantendo ao mesmo tempo uma aparência de projeto civil.

Os desenvolvimentos mais recentes incluem bases em águas profundas, centros de dados submersos e, agora, uma plataforma flutuante de pesquisa capaz de resistir até a explosões nucleares.

Juntos, esses projetos formam uma infraestrutura integrada para operações de longo prazo, extração de recursos e processamento de dados no mar – tudo para ampliar a vantagem científica e industrial da China e expandir sua presença nos mares do mundo todo.

A PRIMEIRA DO GÊNERO

Segundo um artigo publicado no “Chinese Journal of Ship Research”, a nova instalação é uma plataforma semissubmersível de 86 mil toneladas, descrita por seus criadores como uma ilha artificial móvel e autossuficiente.

Documentos da China State Shipbuilding Corporation – que ficará responsável pela construção – descrevem um navio de casco duplo com 138 metros de comprimento e 85 metros de largura e um convés principal elevado a 45 metros acima da linha d’água, segundo o “South China Morning Post”.

A plataforma foi projetada para acomodar 238 pessoas por até quatro meses sem reabastecimento. Não existe nada parecido no mundo.

esquema  de plataforma marítima em construção pela China
Créditos: China State Shipbuilding Corporation

Yang Deqing, da Universidade Jiao Tong de Xangai, explica que a estrutura foi pensada para “residência de longo prazo”. A superestrutura inclui compartimentos de energia, comunicação e navegação reforçados para continuar operando mesmo após uma explosão nuclear.

Ela pode operar em mar de nível sete – com ondas de seis a nove metros – e suportar tufões de categoria 17, a mais alta da escala chinesa.

Segundo o líder do projeto, Lin Zhongqin, a equipe está “correndo para finalizar o design e a construção”, com previsão de operação plena em 2028. A embarcação deve navegar a cerca de 27 km/h para realizar pesquisas em águas profundas e testar tecnologias de mineração no Mar do Sul da China.

UMA ESTAÇÃO ESPACIAL SUBMARINA

O país também está construindo uma base submarina digna de filme de espionagem, a cerca de dois mil metros de profundidade – aparentemente a primeira de várias.

Segundo Yin Jianping, do Instituto de Oceanografia do Mar do Sul da China, trata-se de uma espécie de “estação espacial no fundo do mar”. Os módulos pressurizados foram projetados para acomodar seis cientistas por até um mês.

A base vai estudar formas de extrair hidrato de metano – para atender à crescente demanda energética da China – e mapear depósitos de terras raras, cobalto e níquel. Ela vai contar com o navio de perfuração Meng Xiang e com uma rede de submersíveis não tripulados, que também atuará como sistema de vigilância para o país.

Primeiro módulo do data center submarino chinês
Primeiro módulo do data center submarino chinês foi lançado em (Crédito: Reprodução/ YouTube)

Em paralelo, a China implantou seu primeiro data center submarino comercial na costa da província de Hainan. Uma estrutura de 1.433 toneladas, a 35 metros de profundidade, abriga 24 módulos de servidores. O gerente do projeto, Pu Ding, destaca que eles "colocaram toda a cabine de dados em alto-mar porque a água pode ajudar a resfriar a temperatura".

Os desenvolvedores afirmam que esse resfriamento passivo pode economizar cerca de 90% da energia normalmente usada para climatização em data centers em terra.

A China não vai parar por aí. Vai continuar a fabricar iPhones, ímãs de terras raras e a construir as melhores IAs, usando o maior exército de especialistas do mundo. Mas também quer se tornar a maior superpotência marítima – assim como a Espanha, a Grã-Bretanha e os EUA em séculos passados.


SOBRE O AUTOR

Jesus Diaz fundou o novo Sploid para a Gawker Media depois de sete anos trabalhando no Gizmodo. É diretor criativo, roteirista e produ... saiba mais