Quando a felicidade vira produto, seguimos adoecendo
Colocar o lucro como principal motivador para falar de saúde mental mostra o quanto adoecemos como sociedade

Na última década, o tema da felicidade corporativa vem ganhando espaço na mídia, nas organizações e na sociedade. Há os céticos e críticos, que entendem o tema como utopia, como se a ideia da construção da felicidade no trabalho fossem ambientes perfeitos e pessoas alegres o tempo todo.
Isso certamente não existe. Porém, quando falamos em felicidade no trabalho estamos falando em senso de pertencimento, inclusão, segurança psicológica, realização, significado no trabalho.
Não é um mundo perfeito, nem só se fazer o que gosta. Tampouco é algo privilegiado e elitista, e sim um direito básico de termos no trabalho um ambiente seguro, saudável – e não mais um ofensor em nossa saúde mental. Se pensarmos dessa forma, entendemos que ser feliz no trabalho deveria ser realidade, não uma utopia distante.
Há líderes que já entenderam isso e percebem que, quando constroem relações mais empáticas, humanas e proporcionam um ambiente de segurança psicológica que motive e estimule seu time, o resultado é bom para os indivíduos e também para a empresa.
A cultura de bem-estar traz resultados positivos em performance, engajamento, retenção dos talentos, aumento na produtividade, e no final, aumento no lucro.
Jan-Emmanuel De Neve, professor e pesquisador de Oxford, tem apresentado em suas palestras dados de diversos estudos e pesquisas que vem fazendo nas organizações. E, de fato, sua conclusão é que felicidade corporativa gera resultados de negócios.
É maravilhoso um economista trazer dados mais científicos para esse tema. Seria incrível se os líderes e empresas entendessem isso de verdade e trabalhassem na construção de empresas mais saudáveis e humanas. Pelo que temos visto, algumas empresas já entenderam isso.

Porém, aí entra a questão: o único motivador de uma cultura de bem-estar é o lucro? A saúde mental e o bem-estar deveriam ser mais uma ferramenta para geração de negócios ou o óbvio para uma sociedade que vem adoecendo? Será que não estamos com o motivador principal errado? Será que o lucro não deveria ser consequência óbvia de uma sociedade mais saudável?
Associar bem-estar a resultados não é o problema. Vivemos em uma sociedade capitalista que é movida por resultados. Mas colocar o lucro como principal motivador para falar de saúde mental mostra o quanto adoecemos como sociedade.
“The business of business is people – yesterday, today, and forever.”
Raj Sisodia
Não sou ingênua e entendo a importância da discussão. O que me preocupa é o happywashing, o drive errado no que traz a saúde mental e bem-estar como pauta estratégica das empresas. Se felicidade virou mais um produto para consumo, quando seremos realmente felizes? Como não seguir adoecendo em um mundo em que felicidade vira uma busca por resultados?
Sou uma das pioneiras e grande referência no tema da felicidade corporativa. Mas o que sempre me moveu foi a construção de um mundo melhor. Espero que a expansão do tema seja realizada com mais consciência, e não movida por medo de multas pela NR-1 ou pela visão do lucro acima da humanidade.
Em mundo cheio de crises, conflitos, inseguranças e incertezas, precisamos cuidar de nós como sociedade. Mudar o cenário da saúde mental é o certo a se fazer. E isso basta.