Liderança sem autoanálise não sustenta impacto

Negócios maduros se constroem com líderes maduros o bastante para revisarem seu próprio processo decisório

pessoa abraça espelho em frente ao corpo
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Luana Ozemela 5 minutos de leitura

Voltar ao Brasil depois de mais de duas décadas liderando equipes, mercados e agendas globais me trouxe um tipo de responsabilidade que não cabe nos relatórios de gestão.

Liderar perto – do meu time, dos meus pares, do meu território – exige outra forma de presença. Uma forma que inclui, inevitavelmente, olhar para mim mesma com a mesma disciplina com que analiso negócios, políticas públicas e estratégias de impacto.

Deixo aqui uma provocação: se os líderes cobram tanta clareza dos seus times, por que evitam praticar essa mesma clareza consigo? Fim de ano é o melhor momento para fazer esse ajuste de contas interno – e ele não é opcional para quem pretende liderar com intenção.

Ao fazer isso, entendi que este ano me colocou diante de uma verdade simples e frequentemente negligenciada por quem ocupa posições de decisão: liderar é dar clareza e desenvolver, mas também é sobre decidir.

Decidir prioridades, decidir o que entra e sai da agenda, decidir o que merece energia e o que já deveria ter se encerrado. Decidir quando avançar e, principalmente, quando corrigir a rota.

Liderança não é uma coleção de movimentos impecáveis, mas a capacidade de tomar decisões com intenção, consistência e responsabilidade, mesmo quando elas expõem nossos limites. E ao revisitar o meu 2025, enxerguei quais decisões ampliaram valor e quais mostraram onde ainda preciso evoluir como líder.

Houve também movimentos sólidos. Expandi debates, conectei agendas, coloquei temas estratégicos na mesa com mais firmeza. Reforcei a visão de que diversidade não é uma área, mas sim uma alavanca de crescimento. E mantive a convicção de que sustentabilidade, quando tratada como estratégia, e não narrativa, reorganiza prioridades e transforma governança.

LIDERANÇA PERFORMÁTICA x LIDERANÇA EFETIVA

Essa reflexão não deveria ser só minha. Líderes que ignoram o balanço do ano anterior entram no próximo repetindo os mesmos vícios. E vícios de liderança custam caro, tanto para as pessoas quanto para as decisões e para o negócio.

Mas também houve o outro lado. O lado que normalmente não se expõe em painéis ou relatórios. Houve projetos que não caminharam no ritmo necessário. Relações profissionais que eu poderia ter conduzido de forma mais generosa ou mais assertiva.

Houve decisões que adiei mais do que deveria. Houve momentos em que o meu apoio, ainda que presente, não foi suficiente para destravar o que precisava ser destravado. 

labirinto dentro de um cérebro
Crédito: Istock

O que proponho neste artigo é algo muito simples. Se você lidera pessoas, times ou agendas, vale fazer a mesma pergunta incômoda: o que deixei de entregar e por quê? Essa honestidade é o que separa a liderança performática da liderança efetiva.

Nada disso diminui o impacto do que construí ao longo do ano. Mas tudo isso aumenta a minha consciência sobre o tipo de liderança que quero exercer daqui para frente – uma liderança que não terceiriza responsabilidade nem romantiza resiliência.

Sempre disse que equidade não é custo, é crescimento. Este ano, entendi que isso vale também para mim. Cresço quando reviso minhas escolhas, quando reconheço onde repeti padrões que já não me servem, quando admito que, mesmo com experiência, posso falhar e, sobretudo, posso corrigir.

Talvez essa seja a mensagem mais prática que posso oferecer a outras lideranças, pois revisitar escolhas é um ato de gestão, não de vulnerabilidade. Negócios maduros se constroem com líderes maduros o bastante para revisarem seu próprio processo decisório.

CLAREZA COMO VANTAGEM COMPETITITVA

A volta ao Brasil tem sido, acima de tudo, um exercício de profundidade. Aqui, sinto mais rápido. Entendo mais depressa. Conecto os pontos com mais precisão porque estou olhando o país de dentro, não de longe. Isso me lembra, diariamente, por que decidi voltar: para fazer diferença em um território que segue desafiador, desigual e cheio de potenciais ainda subaproveitados.

Se existe algo que recomendo a qualquer líder neste fim de ano é voltar ao seu território interno ou externo. Olhe para suas decisões não como capítulos isolados, mas como parte de uma estratégia maior. E pergunte-se se a pessoa que você foi como líder em 2025 sustenta o impacto que você quer produzir em 2026.

Ser “arquiteta de valor e inclusão” não é uma frase de efeito. É uma escolha operacional. Significa construir ambientes onde pessoas diversas tomam decisões estratégicas.

revisitar escolhas é um ato de gestão, não de vulnerabilidade.

Significa aproximar a sustentabilidade do negócio real – o da margem, do risco e da eficiência. Significa olhar para o futuro com a coragem de abandonar práticas que já não entregam e de fortalecer as que pavimentam impacto.

Para isso, precisei fazer perguntas difíceis a mim mesma:

  • O que entreguei de fato?
  • Onde gerei valor estratégico?
  • Onde fui parte do obstáculo?
  • O que precisa mudar para que eu lidere com mais intenção, e não apenas com direção?

São perguntas que qualquer líder deveria se permitir fazer antes de virar a página do ano. Não para criar uma lista de resoluções, mas para criar uma bússola real.

Essas perguntas não têm respostas imediatas, mas elas moldam o tipo de liderança que quero exercer em 2026. Uma liderança que integra, provoca, escuta, corrige e avança, sem perder de vista que o jogo do impacto exige consistência, não espetáculo.

Termino o ano com mais clareza do que comecei. E, para uma líder, clareza é vantagem competitiva.

Porque, no final, liderança não é sobre fazer tudo certo. 

É sobre fazer o que precisa ser feito mesmo quando isso começa dentro de nós.


SOBRE A AUTORA

Luana Ozemela é Chief of Sustainability Officer do iFood, Conselheira do Global Future Councils 2025, iniciativa do Fórum Econômico Mu... saiba mais