Rosie (dos Jetsons) versus a realidade o futuro da IA ainda está atrasado
Mais de seis décadas depois, do lançamento do desenho animado, a empregada doméstica futurista ainda define nossas expectativas sobre IA

Recentemente, visitei a sede da 1X Technologies, no Vale do Silício – a startup por trás de um robô humanoide doméstico chamado Neo – e conversei com o vice-presidente de produto e design da empresa, Dar Sleeper.
Entre os pontos que ele levantou estava o fato de que expectativas cultivadas ao longo de décadas estabeleceram um padrão muito elevado para robôs domésticos. Naturalmente, ele citou o mais icônico de todos.
“O objetivo final, a estrela-guia, na cabeça de muita gente, é Rosie”, disse ele. “Um mundo à la Jetsons, em que você pede e recebe, sua vida melhora, você passa mais tempo com a família, está mais presente.”
Rosie surge com tanta frequência nas discussões sobre o futuro da tecnologia que é fácil ignorar a referência, em vez de reconhecê-la. Mas por que essa personagem secundária de um desenho da produtora Hanna-Barbera de 1962 se tornou um ponto de referência tão extraordinariamente duradouro?
Delegar tarefas domésticas tediosas a outra pessoa seria, sem dúvida, algo atraente. Mas, se Rosie apenas lavasse a louça, dificilmente seria tão lembrada. Ela é uma peça de tecnologia sofisticada, com uma interface surpreendentemente humana.
É por isso que a família Jetson a amava tanto – e por isso ela permanece viva no nosso imaginário. À medida que suas características começam a migrar da fantasia para algo que talvez seja tecnicamente possível de construir, sua relevância só aumenta.
Como muitas coisas em "Os Jetsons", Rosie é ao mesmo tempo antiquada e visionária. Em determinado momento do primeiro episódio, ela abre seu compartimento frontal e insere as fitas com os deveres de casa de Judy Jetson para incorporá-los à sua base de conhecimento.

Felizmente, as fitas magnéticas deixaram de ser um meio primário de armazenamento de dados há mais de 40 anos. Mas a capacidade de Rosie de processar o material escolar de Judy – e, presumivelmente, ajudá-la com isso – se parece muito com um LLM alimentado por dados.
Na linguagem carregada de jargões da IA atual, Rosie também é “agêntica”: ela executa tarefas com alto grau de autonomia, é ajustada para agir de forma responsável e, embora seja gentil e prestativa, nunca descamba para a bajulação.
Se o filho caçula, Elroy Jetson, confidenciasse que planejava se tornar um delinquente juvenil, podemos ter certeza de que Rosie não o ajudaria. Em vez disso, questionaria a ideia e, se necessário, alertaria os pais. Nossos chatbots de 2025 parecem rudimentares em comparação (quando não perigosos).
ROSIE x HAL
Outro motivo para a permanência de Rosie no imaginário coletivo é o otimismo atemporal de "Os Jetsons". No desenho, o futuro é um lugar bastante agradável, e Rosie faz parte disso.

Mesmo no fim dos anos 1960, porém, nossa cultura já havia se tornado mais sombria. HAL 9000, de "2001: Uma Odisseia no Espaço", pode ser tão famoso quanto Rosie, mas também é uma lição dura sobre os riscos de confiar que a tecnologia sempre vai agir em nosso melhor interesse. Não é comum ouvir executivos de tecnologia citarem HAL como fonte de inspiração.
"Os Jetsons" nunca foi uma série distópica, mas também não era ingênua. Uma parte considerável de seu humor vinha justamente dos efeitos colaterais de tecnologias teoricamente úteis – muitas vezes de forma que, em retrospecto, é tão visionária quanto qualquer outro aspecto da série.
Rosie não aparece em um episódio chamado “Uniblab”. Mas a lição de que a inteligência artificial pode ser um desperdício de dinheiro está longe de soar apenas como uma curiosidade inocente.

Uniblab é um robô corporativo que o chefe de George Jetson, o sr. Spacely, adquire por US$ 5 bilhões (!). Um verdadeiro adepto da inteligência artificial geral (IAG), ele se gaba de que Uniblab tem um QI mais alto que o de George e o rebaixa para servir como assistente do robô.
Descobre-se então que Uniblab usa seu microfone sempre ligado para espionar os funcionários da empresa. Ele também os induz a participar de jogos de azar manipulados. E basicamente é só isso que sabe fazer.
Após ser sabotado pelo hacker residente da série – Henry, o faz-tudo dos Jetsons –, Uniblab sofre um colapso alucinatório diante do conselho de diretores da Spacely Space Sprockets e é desativado sem cerimônia. A humanidade vence, ao menos por enquanto.

Quando "Os Jetsons" estreou, em 1962, o material promocional explicava que a história se passava exatamente 100 anos no futuro, em 2062. Isso sugere que, mesmo daqui a 37 anos, a IA ainda pode ter dificuldades para provar de forma definitiva o seu valor. Por ora, inúmeros “sr. Spacelys” do mundo real seguem gastando demais com a tecnologia, baseados em expectativas irreais.
Rosie, por sua vez, claramente se baseia em uma IA mais madura do que Uniblab. Ainda assim, no primeiro episódio, Jane Jetson e outros personagens se mostram espantados com suas capacidades – um sinal de que a robótica doméstica ainda estaria em processo de se tornar popular em 2062.
Isso indica que talvez faltem ainda algumas décadas para que Rosie se torne, de fato, real. Que ela continue servindo como inspiração para toda a indústria de tecnologia.